Os jogos de apostas online, conhecidas como bets, deixaram de ser uma possibilidade de diversão para se tornar um transtorno para a saúde financeira, mental e social. Não é apenas o sonho da faculdade que as apostas online têm adiado. Elas estão adiando projetos, compromissos, relações e a estabilidade emocional e financeira de milhares de brasileiros. A falsa promessa de dinheiro fácil, somada à facilidade de acesso e ao marketing agressivo, tem afetado diretamente o bem-estar das famílias.
Dados da fintech Klavi, divulgados em setembro do ano passado, apontam que 30% dos brasileiros que contrataram empréstimos usaram parte ou todo o valor para apostar online. O gasto médio foi de R$ 1.113, mas há casos extremos que chegam a R$ 50 mil. Entre os perfis mais atingidos estão homens de 26 a 49 anos, com filhos, trabalhadores com carteira assinada (40%) e rendimento de um a quatro salários-mínimos (64%).
A educadora financeira Aline Soaper alerta que “as bets apresentam um grande risco para a saúde financeira e mental das pessoas, pois alimentam a ideia de que é possível enriquecer rápido”. Segundo ela, o problema é que muitas vezes os valores apostados não são aqueles destinados ao lazer, mas sim verbas comprometidas, o que atinge todo o orçamento do mês.
“É muito comum a pessoa começar com um cupom-promocional de R$ 500, oferecido pelas próprias plataformas, ganhar algo, se empolgar e continuar jogando. Quando percebe, já colocou o cartão de crédito, estourou o limite e precisa pagar uma conta que não consegue mais controlar”, explica. Segundo ela, a relação com o dinheiro muda: “A pessoa não vê mais o valor como recurso de troca, mas como possibilidade de multiplicar um milagre que não existe.”
Do ponto de vista emocional, os impactos são ainda mais profundos. A psicóloga Camila Wolf explica que as apostas ativam o sistema de recompensa do cérebro, semelhante ao que ocorre com as drogas, e isso cria um ciclo de prazer e dependência. “Com o tempo, o apostador entra em um padrão de busca constante por ganhos rápidos, mas o que vem com mais frequência é a frustração, a vergonha, a baixa autoestima”, explica.
Essa dinâmica interfere diretamente em projetos a longo prazo. “A pessoa perde a capacidade de adiar uma recompensa imediata, essencial para conquistas como uma graduação, uma carreira, uma casa própria. Tudo fica em suspenso, porque ela acredita que a ‘grande virada’ está sempre a uma aposta de distância”, detalha a psicóloga.
O prejuízo não é apenas individual. Relações também são corroídas: mentiras, promessas não cumpridas, perdas escondidas. “É comum que familiares descubram débitos ou empréstimos apenas quando o caos está instalado. Há casos de rupturas, afastamentos e até pessoas que abandonaram tudo por vergonha das dívidas acumuladas com apostas”, diz Camila.
A realidade dos atendimentos é confirmada por dados da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), que em outubro apresentou um estudo específico sobre os jogos de aposta online. No universo de cerca de 2 mil participantes, 40% dizem que familiares ou pessoas próximas fizeram dívidas por conta das apostas e destes 45% tiveram sua qualidade de vida ou da família afetada em função dessas dívidas.
O mesmo levantamento sinaliza uma preocupação ainda maior, a percepção de que as bets não são um entretenimento, mas uma possibilidade de investimento. De acordo com a Febraban, “grande parte dos pesquisados realmente acredita que as apostas possibilitam um ganho financeiro rápido (40%) ou são motivados pela chance de ganhar muito investindo pouco (11%), ideias que contrariam a cultura do esforço. Para Aline Soaper, a saída está na consciência: “A única forma segura de apostar é usar um valor que seria destinado para o lazer. Como quem escolhe ir ao cinema ou pedir uma pizza. Se esse dinheiro pode fazer falta, então não é para ser apostado”.