Estudo feito pelo Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear, sediado na UFMG, é um dos poucos no mundo que conseguiram apresentar essa evidência.
Pesquisadores do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CTDN), sediado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), comprovaram a presença do coronavírus em partículas do ar. A pesquisa, que está sendo desenvolvida desde o ano passado, é um dos poucos estudos no mundo que conseguiram apresentar essa evidência, validada por métodos científicos, e reforça o alerta para o risco existente em locais mal ventilados ou com pouca circulação do ar.
“Os principais resultados dessa etapa da pesquisa são importantes porque apresentam evidências, baseadas em métodos científicos, da presença de coronavírus em aerossóis. Mais uma comprovação científica de que o coronavírus pode estar no ar”, disse o pesquisador Ricardo Passos.
Um artigo com esses resultados, assinado por Passos, Marina Silveira e Jônatas Abrahão, foi publicado na última edição da revista "Environmental Research".
Os aerossóis, foco dessa pesquisa, são partículas microscópicas e invisíveis, que, pelo baixo peso e massa, têm a tendência de ficar suspensos no ar. O estudo, feito em parceria com o Instituto de Ciência Biológicas da UFMG, analisou dois hospitais de Belo Horizonte, em dois momentos diferentes da pandemia, além de ambientes externos, como pontos de ônibus, estacionamentos e calçadas.
Segundo Passos, a intenção não era estudar a transmissão do vírus por gotículas de saliva, que podem chegar a 1 ou 2 metros, mas, sim, essas partículas invisíveis, que podem atingir distâncias maiores.
“Essa evidência vem se juntar a alguns outros relatos já publicados em outros países no intuito de se chamar a atenção para essa rota de transmissão aérea”, afirma.
A escolha da realização da pesquisa em hospitais não se deu ao acaso. “Para comprovar a presença desse vírus no ar, a gente usou ambientes hospitalares como modelo, como ambiente controlado, em que a gente saberia que havia a presença de pacientes contaminados, ou seja, uma fonte de aerossóis contaminados e também que haveria o controle rigoroso quanto ao uso de EPIs pela equipe do hospital”, explica o pesquisador.
Para chegar aos resultados e validar a hipótese inicial, os pesquisadores do CDTN usaram equipamentos capazes de sugar o ar e fazê-lo passar em membranas filtrantes. E, mesmo diante de todas as dificuldades em se fazer essa “captura”, o estudo conseguiu verificar a presença do vírus em cinco amostras, por meio da identificação do código genético do SARS-CoV-2.
As coletas foram feitas entre 25 de maio e 4 de junho em um hospital e entre 9 de junho e 17 de julho no outro. Os nomes das unidade de saúde não foram divulgados. Já os ambientes externos foram monitorados de 25 de maio a 6 de agosto.
As amostras com coronavírus foram encontradas no segundo hospital, em quatro ambientes, entre eles o CTI. Passos chama a atenção para dois fatores: o agravamento da pandemia no início do segundo semestre, aumentando a taxa de ocupação de leitos, e a presença de um sistema de circulação de ar menos eficiente.
O pesquisador destaca que em uma das salas onde o vírus foi encontrado havia inclusive ventilação natural, mas pouca circulação do ar. Nos ambientes externos, não houve amostras que contivessem o vírus.
Diante das evidências científicas de que o coronavírus está no ar, o pesquisador acredita que deveriam ser pensadas estratégias mais efetivas para evitar a transmissão da Covid-19 pela rota aérea.
Para exemplificar a forma como o vírus se espalha, Passos recorre a uma cena simples do cotidiano: a de uma pessoa fumando.
“A fumaça de um cigarro, a gente vê sendo emitida por uma pessoa e, em pouco tempo, essa fumaça se espalha pelo ambiente e a gente consegue sentir o cheiro do cigarro, dessa fumaça, até em distâncias muito grandes”, afirma.
Da mesma forma, o coronavírus pode se espalhar pelo ar, quando uma pessoa está respirando, falando ou mesmo cantando.
“Esses aerossóis que são gerados podem se acumular nesses ambientes e vir a constituir uma fonte muito significativa de contaminação”, diz. Ele acrescenta que, nesse caso, o risco existe mesmo que as pessoas estejam distantes uma da outra ou até depois que a pessoa contaminada tenha deixado o ambiente. Por isso, o risco em locais sem uma ventilação eficiente, como casas de shows ou bares, é alto.
“Na vocalização, se a pessoa está falando, gritando ou cantando, isso está diretamente relacionado à quantidade de aerossóis emitidos. Imagine um ambiente fechado em que um cantor está contaminado e não sabe que está. Vai cantar sem a máscara e, quanto mais alto cantar, mais aerossóis emite e isso vai se acumulando nesse ambiente”, destaca.
Passos cita um artigo publicado pela revista "Nature", no início deste mês, que afirma que o vírus é transmitido predominantemente pelo ar, tanto pelas gotículas quanto pelos aerossóis, e em menor grau pelo contato com superfícies. E, por isso, segundo o artigo, deveriam ser enfatizadas a importância do uso das máscaras, além da busca por medidas para melhorar a ventilação dos ambientes.
“Não é tarde para pensar em medidas mais efetivas. (...) Se tiver que concentrar investimento, pensar em situação de mais risco, teria que pensar em priorizar a circulação do ar”, diz.
Com a publicação dos resultados da fase inicial do estudo, os pesquisadores já focam nos próximos passos. Atualmente em parceria com o Departamento de Engenharia Ambiental e Sanitária (Desa) da UFMG, o CDTN pesquisa os aerossóis em estações de tratamento de esgoto.
Em outra frente, os pesquisadores iniciaram análises em casas de pessoas com Covid-19, para avaliar fatores como a distância percorrida pelo vírus e para quantificar os riscos. Eles ainda pretendem estudar, por meio de modelos matemáticos, as melhores estratégias de circulação do ar.