É normal a mudança do Sars-Cov-2; à medida que o vírus se espalha, ele pode sofrer muitas modificações genéticas. Saiba o que cada expressão significa.
Novas mutações do vírus SARS-CoV-2 são esperadas. Isso é um comportamento comum – porque, à medida que o vírus se espalha, ele pode sofrer muitas modificações genéticas. Dessas mutações podem surgir novas variantes, linhagens e cepas.
Entenda o que significa cada termo ligado à evolução do novo coronavírus:
É uma mudança que ocorre de forma aleatória no material genético. Essas alterações ocorrem com frequência e não necessariamente deixam o vírus mais forte ou mais transmissível. Por isso, pesquisadores acompanham o caminho das transmissões e fazem um mapeamento do material genético no decorrer da pandemia, uma forma de monitorar as versões que realmente merecem atenção.
"Algumas pessoas falam 'ah, ele [o vírus] fez uma mutação para causar tal doença ou tal forma de se infectar'. Não. Isso não é direcionado", explica Rute Andrade, bióloga doutora em saúde pública e membro da Rede Análise Covid-19, grupo multidisciplinar de pesquisadores brasileiros que coleta, analisa, modela e divulga dados sobre a doença.
"Por exemplo: uma mutação no Sars-CoV-2 que propiciaria a ele entrar mais facilmente na célula –ela seria sem querer, só que ela iria se fixar, porque mais vírus vão entrar na célula. E o que o vírus mais quer é entrar numa célula para se replicar", acrescenta.
"Então, se ele consegue uma modificação ao original que facilite entrar melhor nas células, essa modificação vai dominar em relação às outras e, às vezes, até mesmo ao vírus ancestral", completa Andrade, que também é e Conselheira da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A variante pode ser entendida como o vírus que mudou durante seu processo de replicação. Quando essa mudança (mutação) começa a aparecer muitas vezes, os especialistas fazem o sequenciamento do genoma. Se essa mudança se "fixa", isso configuraria a variante do vírus anterior. O vírus ancestral (ou original) pode ter várias variantes, cada uma com uma modificação diferente.
"Você tem o primeiro vírus – ou os primeiros que foram identificados num determinado local – aqui no Brasil, por exemplo. Esse vírus tem uma sequência genética. Ele vai sofrer replicações, multiplicações, sendo passado de uma pessoa para outra. Nesse processo todo, podem acontecer mutações, que seriam modificações nas sequências de proteínas", explica Rute Andrade.
"Quando esse vírus que tem essa diferença é identificado por um PCR que foi feito num paciente, você vai dizer que aquele paciente carrega uma variante do vírus original, do vírus ancestral. E essas variantes podem ser inúmeras", completa a pesquisadora.
Quanto mais o vírus circula – é transmitido de uma pessoa para outra –, mais ele faz replicações, e maior é a probabilidade de modificações no seu material genético. Em outras palavras, quanto mais o vírus circula, maior é a probabilidade de surgirem novas variantes dele.
É um conjunto de variantes que se originaram de um vírus ancestral comum.
"Quando você tem já várias variantes, distintas variantes, que se originaram no mesmo local – por exemplo, daqui do vírus ancestral do Brasil – essas variantes vão constituir uma linhagem. A linhagem seria um grupo de vírus variantes que se diferenciaram e têm um ancestral comum, que seria aquele primeiro vírus identificado", explica Rute Andrade.
A cepa é uma variante ou um grupo de variantes dentro de uma linhagem que já se comportam um pouco diferente do vírus original. As cepas circulantes do vírus podem ser de linhagens diferentes (por exemplo, as do Brasil, da África do Sul e do Reino Unido), ou uma mesma linhagem pode ter várias cepas diferentes.
"Você pode ter variantes e linhagens que não apresentam nenhuma diferença em relação ao vírus original na forma de infectar, na resposta imunológica que ela vai provocar nas pessoas. Mas, de repente, pode ter um grupo de variantes que começa a se comportar de forma diferente", explica Rute Andrade.
"Quando, dentro dessas variantes, você tem um grupo de variantes que se comportam da mesma forma e que já têm alguma modificação no comportamento – no que ele vai causar dentro da pandemia – que é diferente do vírus ancestral, do vírus original, do primeiro vírus, você tem uma cepa", completa a pesquisadora.
Por enquanto, três variantes do Sars CoV-2 estão sob a atenção dos cientistas:
Duas principais mutações chamam a atenção: a N501Y, que ocorreu nas três variantes, e a E484K, presente na sul-africana e na brasileira.
Elas preocupam os especialistas porque ocorrem na proteína S (de spike), localizada na coroa do vírus. É ela que se conecta com o receptor ACE2 das células humanas, principal porta de entrada para a infecção do novo coronavírus.
Sobre a N501Y, há a suspeita de que a mudança no código genético tenha tornado as novas variantes mais transmissíveis.
Uma pesquisa brasileira divulgada no início de janeiro analisou a troca de aminoácidos que poderia causar esse efeito de maior facilidade da infecção pelo vírus – onde estava o asparagina (N) no RNA do coronavírus original de Wuhan, na versão do Reino Unido, agora existe o tirosina (Y). Os autores explicaram que o "N fazia duas ligações" e, agora, o "Y faz muito mais", trazendo mais aderência ao receptor humano.
Já a mutação E484K está relacionada a um possível enfraquecimento da ação dos anticorpos humanos, mas ainda são necessários mais estudos para confirmar o real efeito da mudança do vírus. Com a nova sequência de RNA, é atingida a região da proteína spike onde justamente atuam os anticorpos neutralizantes produzidos pelo sistema imunológico.
"Pode ser que a variante que teve origem no Amazonas, daqui a um tempo, e suas descendentes possam ser denominadas como cepa, talvez até cepa brasileira, ou cepa amazônica, se se confirmar que ela de fato promove um comportamento diferente na dinâmica da pandemia aqui no Brasil ou onde ela estiver presente", esclarece Rute Andrade.
Alguns grupos de cientistas se referem às variantes acima como linhagens. Como uma variante pode vir, um dia, a constituir uma linhagem, essa troca pode ocorrer dependendo do contexto, segundo Rute Andrade. A B.1.1.7 pode, por exemplo, gerar variantes de si mesma. Nesse caso, as novas variantes vão dar origem à linhagem B.1.1.7.