Nova legislação também permitirá adoção de crianças por casais do mesmo sexo
Em um dos poemas da obra Cem sonetos de amor, o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) escreveu: "Nesta história só eu morro, e morrerei de amor porque te quero, porque te quero, amor, a sangue e fogo". Ontem, o Chile fez história. O amor, cantado por Neruda, venceu o preconceito e a discriminação. Por 82 votos a favor, 20 contra e duas abstenções, a Câmara dos Deputados aprovou o casamento homoafetivo e transformou o Chile no nono país do continente americano a legalizar o casamento gay — ao lado de Canadá, Estados Unidos, Costa Rica, Equador, Colômbia, Brasil, Uruguai e Argentina. O texto também abre possibilidade para que casais de mesmo sexo possam adotar filhos, mas proíbe o uso da barriga de aluguel. Horas antes, o Senado tinha avalizado o projeto de lei por 21 votos a favor, oito contra e três abstenções.
Agora, o projeto de lei segue para a sanção do presidente conservador Sebastián Piñera, que decidiu em junho acelerar seu trâmite no Congresso, onde estava desde 2017. Por meio de um comunicado à imprensa, o Movimento de Integração e Libertação Homossexual (Movilh) afirmou que, "com a aprovação do casamento igualitário, o Chile deu um passo histórico e decisivo para o avanço e a consolidação dos direitos humanos dos casais do mesmo sexo e das famílias homoafetivas". "Todas elas, sem distinção, eram discriminadas e violadas desde as origens do nosso país", acrescentou a entidade, uma das principais defensoras da causa.
Diretora executiva da Fundação Iguais, Isabel Amor comparou a aprovação da lei a "uma corrida de vários quilômetros" e se disse "tremendamente emocionada". Segundo a agência de notícias France-Presse, os ativistas que acompanhavam a votação da tribunal celebraram de forma efusiva e ostentaram cartazes, além de uma bandeira com as cores do arco-íris, símbolo do movimento LGBTQIA .
"Histórica e transcendental". Assim o deputado do Partido Acción Humanista (esquerda) Tomás Hirsch descreveu a votação de ontem na Câmara. "Ela reflete uma mudança profunda que, felizmente, tem sido vista no Chile. Nos últimos anos, aprovamos a lei do aborto por três motivos (perigo de vida para a mulher, inviabilidade de sobrevida do feto e gravidez resultante de estupro). Também avançamos rumo a melhores direitos para as mulheres e para a diversidade sexual, além de progressos na luta contra toda as formas de discriminação", afirmou ao Correio, por telefone. "Temos uma Assembleia Constituinte com paridade de gênero e com participação dos povos originários (indígenas). Esses avanços não foram uma tarefa fácil, pois há setores profundamente reacionários na direita e no governo, que têm buscado impedir esses direitos essenciais."
Para Hirsch, a luta da comunidade LGBTQIA tornou possível a aprovação do matrimônio igualitário. "Foram eles que fizeram isso. Nós, enquanto parlamentares, respondemos às suas demandas e convicções. A atmosfera na Câmara, hoje (ontem), era de uma profunda alegria e uma grande satisfação por termos conquistado algo que demorou vários anos até converter-se em realidade. Infelizmente, isso deveria ser um direito já garantido para todos e para todas", desabafou o parlamentar. "Essa lei garante que duas pessoas, independentemente de seu gênero e de sua orientação sexual possam contrair matrimônio em igualdade de condições com o que ocorre hoje em dia entre um homem e uma mulher."