A empresária japonesa Lena Okajima e o engenheiro aeroespacial Adrien Lemal detalham projeto como um grande show de fogos de artifício com técnicas 'nunca desenvolvidas na Terra'
'Queremos usar o céu como uma tela de pintura', diz empresária que tenta criar artificialmente chuva de meteorosos como essa Getty Images/BBC NEWS BRASIL
Se um dia você se pegar admirando o brilho de meteoros artificiais cruzando os céus, pode agradecer - ao menos em parte - à crise econômica global de 2008.
Foi depois da crise que Lena Okajima decidiu deixar o emprego que tinha em uma empresa de finanças para encarar uma empreitada ousada: abrir um negócio que pretende colocar em órbita satélites capazes de lançar chuvas de meteoros artificiais - como um grande show de fogos de artifício.
"Precisei mudar de ramo porque a situação no mercado financeiro estava muito ruim na época," explica ela agora, quase 10 anos depois de embarcar na nova empreitada.
Foi bem antes, em 2001, enquanto assistia à chuva de meteoros Leônidas, que ela teve a ideia de tentar recriar aquele espetáculo artificialmente.
"Essas chuvas de meteoros ocorrem a partir de pequenas partículas vindas do espaço, então pensamos que poderíamos recriar o cenário usando pequenos satélites," diz Okajima.
Empresa em Tóquio
Agora, a empresa dela, Astro Live Experiences (ALE), com sede em Tóquio, está se preparando para lançar seu primeiro satélite e começar a fazer experiências no espaço.
Se for bem sucedida, a ALE pode estar próxima de criar chuvas de meteoros em eventos especiais para milhares de pessoas. E outras formas de espetáculos celestiais artificiais que podem surgir. Mas será que o plano de Okajima vai funcionar?
Sua pretensão é, de fato, enorme. A ideia para fazer os meteoros é abastecer cada satélite com 400 esferas de 2 cm de diâmetro, que é mais ou menos o tamanho de uma bola de gude.
O satélite liberaria apenas algumas esferas de cada vez para gerar uma chuva de meteoros de 3 a 10 segundos de duração. Um espetáculo completo poderia durar vários minutos, segundo Okajima.
Em um vídeo promocional da ALE, é possível ver algumas esferas sendo ejetadas pela parte de trás de um satélite em órbita. Ao entrarem na atmosfera terrestre, a temperatura dessas esferas aumenta e elas começam a brilhar, criando um efeito de meteoros incrível sobre cidades e até mesmo o monte Fuji, a montanha mais alta do Japão.
É o mesmo que acontece com os meteoros naturais, minúsculos grãos de poeira espacial ou pequenas pedras que entram no trajeto que a Terra segue ao girar em torno do Sol. Algumas dessas partículas entram em combustão ao entrar na atmosfera terrestre, causando as chuvas de meteoros.
O vídeo promocional da ALE poder dar a impressão de que todo o processo é fácil de ser realizado. Mas é o contrário. O engenheiro aeroespacial Adrien Lemal, colega de Okajima, explica que as esferas precisam ser ejetadas do satélite com extrema precisão e em alta velocidade. Do contrário, elas podem não conseguir entrar na atmosfera terrestre como planejado.
Para conseguir isso, Lemal e sua equipe têm de desenvolver tanques de gás com um sistema de pressão capaz de ejetar as esferas a 8 quilômetros por segundo. Na prática, seria mais de 20 vezes a velocidade do som.
"É algo que nunca foi desenvolvido aqui na Terra e precisamos garantir que vai funcionar no espaço," diz Lemal.
Segredo industrial
Mas a questão mais importante talvez seja do que são feitas as esferas. Sobre isso, Lemal e Okajima são mais reservados.
"Não podemos revelar nada sobre a composição da liga de metal usada," comenta Lemal.
Contudo, ele se mostra disposto a explicar que os materiais especiais que a equipe escolheu podem fazer com que os meteoros artificiais tenham um brilho mais forte que os naturais. Além disso, eles podem ser projetados para emitir cores diferentes.
Em laboratório, é possível aquecer o material, fazendo com que ele emita plasma (gás ionizado aquecido) e produza luz em comprimentos de ondas específicos. A ALE conseguiu testar diversas cores incluindo azul, verde e laranja.
Okajima explica que a cor vermelha tem sido a mais difícil de alcançar por ela estar no extremo menos vibrante do espectro. Entretanto, o material foi "melhorado" para esse matiz. Mas, novamente, ela não diz como.
Essa pesquisa tem sido desenvolvida há anos. Mas dentro dos próximos meses, a ALE planeja lançar o primeiro satélite em um foguete de baixo custo fornecido pela JAXA, a Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial.
O lançamento deve acontecer em março, comenta Okajima, que também diz estar sentindo um misto de "empolgação" e "ansiedade" com tudo isso.
Espetáculos históricos
A princípio, a ideia de usar esferas feitas de materiais especiais é muito boa, segundo Robert Massey, da Real Sociedade Astronômica, entidade britânica que promove e apoia estudos na área de astronomia. "Os meteoros não são maiores que um grão de areia," ele explica. "Se você tiver algo do tamanho de uma bala, aquilo vai ser muito mais brilhante e visível."
Os seres humanos já trouxeram equipamentos espaciais inoperantes de volta à Terra, criando um espetáculo nos céus quando esses objetos pegavam fogo ao entrarem na atmosfera terrestre. Embora seja um fato pouco conhecido, também já foram recriados fenômenos celestiais naturais durante a missão espacial Active Magnetospheric Particle Tracer Explorer (AMPTE), que em tradução literal significa Rastreador Ativo de Partículas na Magnetosfera. Lançada nos anos 80, a missão buscava recriar cometas ao liberar vapores dentro da magnetosfera, camada exterior da atmosfera.
Embora os efeitos do experimento pudessem ser vistos do solo com a ajuda de um pequeno telescópio, o objetivo não era entretenimento. Os cientistas responsáveis pela missão queriam saber mais sobre como partículas carregadas arremessadas pelo Sol, conhecidas como vento solar, interagem com a atmosfera da Terra.
Um satélite foi carregado com recipientes contendo vapor de lítio ou de bário. Quando os recipientes foram detonados, o vapor lançado para dentro do vento solar se tornou carregado (ionizado). O resultado foi um efeito visível que tinha a aparência de um cometa com coma (cabeça) e cauda. Os cientistas foram capazes de medir a assinatura energética dos íons quando eles passaram pela atmosfera terrestre.
Mas a empolgação dos cientistas envolvidos no AMPTE não se limitou apenas à coleta de novos dados sobre a magnetosfera da Terra. A experiência também foi muito prazerosa. Andrew Coates, do Laboratório de Ciências Espaciais Mullard, da University College London, foi o gerente de projeto do experimento de íons na missão AMPTE.
Coates ressalta que os seres humanos também foram capazes de gerar auroras boreais artificiais no passado. Uma dessas experiências aconteceu em 1969. Um foguete carregou um acelerador de elétrons para a atmosfera e pulsos de elétrons foram disparados em direção à Terra em pequenas rajadas de um segundo por vez. "A ideia de poder pintar um pouco o ambiente magnético da Terra é fascinante", admite.
Pintura celeste
"Cientificamente, a experiência foi útil, mas também envolveu as pessoas que tentam ver esse tipo de coisa. Elas sentem um tipo de atração por cometas," diz. O próprio Coates não resistiu à curiosidade e usou seus binóculos para tentar ver o cometa artificial. Ele diz que "tem quase certeza" de que conseguiu vê-lo.
Okajima segue nessa mesma linha de pensamento. "Nós queremos usar o céu como uma tela de pintura e criar coisas maravilhosas," diz.
Mas será que há um lado negativo em transformar artificialmente nossa atmosfera em um show de luzes de partículas carregadas?
Hugh Lewis, da Universidade de Southampton, é especialista em detritos espaciais (lixo espacial) - e diz que satélites antigos e pedaços de espaçonaves que orbitam ao redor da Terra são um risco real a outros satélites e a astronautas da Estação Espacial Internacional (EEI).
"Considerando o fato de que estamos tentando encorajar um bom comportamento no ambiente espacial, jogar coisas lá em cima só porque elas são bonitas é um pouco problemático", diz ele.
Ele observa que, na altitude mais baixa que a ALE pretende usar para as chuvas de meteoros, os detritos deixados pelas esferas que não entraram em combustão provavelmente não ameaçariam a maioria dos satélites, ou a EEI. Eles podem, inclusive, voltar a entrar na atmosfera depois de um tempo. Mas, no futuro, mais satélites provavelmente usarão essa região do espaço e meteoros artificiais remanescentes poderão ser um problema.
Lemal diz que simulações abrangentes indicam que as chances de os meteoros não entrarem em combustão são muito baixas. "Estamos confiantes de que não vamos criar poluição ou detritos", diz ele, acrescentando que o material usado nas esferas "não é tóxico".
No entanto, ninguém jamais tentou algo parecido antes. Por isso, a ALE está trabalhando com comitês de detritos espaciais para garantir que eles estejam em conformidade com as regulamentações existentes.
Entretanto, Lewis não está convencido de que será possível criar chuvas de meteoros no exato local solicitado pelos futuros clientes da ALE, já que é extremamente difícil prever como a órbita de um satélite evoluirá com o tempo. Liberar as partículas mais cedo para compensar uma órbita levemente fora do curso pode aumentar ainda mais a incerteza de quando e onde os "meteoros" voltarão a entrar na atmosfera.
A ALE diz que suas chuvas de meteoros serão visíveis dentro de uma área de 200 quilômetros quadrados, área pouco menor que a cidade de João Pessoa - e aparentemente tem simulações que sugerem que eles conseguem alcançar a precisão necessária. Mas Lewis não acredita que isso será possível. "Você pode errar por um continente inteiro", diz ele. Só o tempo e os experimentos no mundo real vão confirmar essas projeções.
Okajima, sem dúvida, discordaria de Lewis. Ela sonha em fazer suas chuvas de meteoros artificiais há quase vinte anos. Apesar dos pessimistas, dos muitos desafios e possíveis armadilhas, ela está claramente determinada a fazer seu sonho acontecer.
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