Ação mais letal da história do RJ, com 25 mortos, foi realizada para coibir tráfico, que segundo investigação alicia menores e controla até namoros.
Representantes da Polícia Civil, que realizou nesta quinta-feira (6) a operação mais letal da história do Rio de Janeiro, com 25 mortos, disseram durante entrevista coletiva que só houve uma execução no Jacarezinho, a do policial civil André Farias, baleado na cabeça quando retirava uma barricada.
De acordo com os policiais, os outros 24 eram criminosos. Moradores relatam excessos e execuções.
Delegados disseram que o tráfico da região aliciava menores para o crime e que até proibiam namoros. E que a operação cumpriu todos os protocolos exigidos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) restringindo operações em favelas durante a pandemia a casos excepcionais – o Ministério Público confirmou que foi avisado.
"Decisão do STF não impede a polícia de fazer o dever de casa. Ela coloca protocolos e a Polícia Civil cumpre todos", disse o delegado Rodrigo Oliveira. "Não sei se as grandes operações dão resultado. O que eu sei é que a falta de operação dá um péssimo resultado."
RELATOS DE MORADORES: Corpos no chão, invasão de casas e celulares confiscados
Sem citar nomes ou entidades, o delegado Oliveira, que é subsecretário operacional da Polícia Civil, criticou o que chamou de "ativismo judicial", que segundo ele vai contra o trabalho policial.
“Pseudo entendidos de segurança pública criaram uma lógica de que, quanto mais inteligência, menor o confronto. Isso não funciona assim. Quanto mais precisa a informação, maior é a resistência do tráfico (...) A Polícia Civil não age na emoção. A operação foi muito planejada, com todos os protocolos e em cima de 10 meses de investigação."
O delegado também disse não considerar que houve erros ou excessos na operação, mas que o resultado não é para ser comemorado.
"Não estamos comemorando (...) Por outro lado, a Polícia Civil não vai se furtar de fazer com que a sociedade de bem tenha seu direito de ir e vir garantido", afirmou Oliveira.
Segundo ele, os criminosos "acabam aliciando os filhos dos trabalhadores". "Isso, no nosso entendimento, é mais do que uma excepcionalidade", completou, se referindo à decisão do Supremo.
"As pessoas não têm direito de namorar quem elas querem namorar. Se por algum motivo o tráfico achar que o cidadão "A" não pode namorar o cidadão "B", essa pessoa pode até perder a vida", afirmou.
Já a Defensoria Pública do estado classificou a operação desta quinta (6) como "um grande absurdo" , "desastre" e "terror generalizado".
"Em nenhum lugar do planeta uma operação com 25 mortes pode ser considerada bem-sucedida. Podemos dizer desastre, porque tantas mortes intencionais foram causadas, e isso não foi por acidente, afirmou Daniel Lozoya, subcoordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria.
A defensora pública Maria Julia Miranda também rebateu uma afirmação do delegado Rodrigo Oliveira sobre ativismo judicial frisando que "quem tem sangue nas mãos é a polícia".
"Não tem ativismo do STF. Nesse caso, a política de segurança pública do Rio é muito clara e o que se questiona é uma política que viola os direitos dessa população. (...) O subsecretário é está errado em sua afirmação. Quem tem sangue nas mãos é a polícia do Rio de Janeiro", destacou.
Outras instituições de defesa dos direitos humanos e organizações independentes voltadas para estudos de segurança pública como a Anistia Internacional, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Human Rights Watch Brasil também repudiaram a ação da Polícia Civil.
"O resultado da operação policial na comunidade do Jacarezinho no Rio de Janeiro é uma tragédia, 25 mortos e vários feridos não pode nunca ser motivo de qualquer celebração. Estamos clamando que o Ministério Público do Rio inicie imediatamente uma investigação minuciosa e independente da operação", disse a diretora da Humans Right Watch (HRW), Maria Laura Canineu.
A diretora na Anistia Internacional, Jurema Werneck, questionou a magnitude da operação da polícia.
"Essa operação era pra quê? Eu ouvi dizer que era uma operação para coibir assaltos, aliciamento de crianças e jovens por grupos de assaltantes que assaltavam na Supervia. Para coibir, precisava daquele aparato? Uma vez que chegou lá com aquele aparato, o que é que justificava, para coibir assaltos, matar tantas pessoas? Tantas pessoas que eram jovens, eram negros, eram pobres, dentro de uma favela. O que justificava produzir tantos feridos? Dois feridos no metrô, feridos ali, os próprios policiais, um policial morreu", disse a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.
O delegado Felipe Curi, chefe do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), afirmou que a investigação da polícia tinha "registro do aliciamento de menores para atuar no tráfico" e outros crimes.
"[Também] Sequestro de composição de três da Supervia, sequestro relâmpago, mortes e sumiço de corpos feitos pelo tribunal do tráfico", afirmou.
Curi considera que a ida da polícia à favela foi para "garantir o direito das pessoas que estavam sob a ditadura do tráfico [de drogas]".
Na entrevista os delegados afirmaram ainda que a polícia não tem a pretensão de achar que a operação desta quinta vai por fim ao tráfico de drogas e ao aliciamento de menores.
Segundo eles, a investigação continua e outras operações irão acontecer para evitar que os menores sejam cooptados pelo tráfico de drogas.
Felipe Curi disse que houve necessidade real de revide.
"Quem não reagiu, foi preso ou fugiu" , disse o delegado Ronaldo Oliveira.
Apreensões:
16 pistolas
6 fuzis
1 sub metralhadora
12 granadas
1 calibre 12 escopeta
1 munição antiaérea ativa (arma de guerra)
Sobre a invasão de casas na comunidade, o delegado Fabrício Oliveira disse que "não houve execução. A polícia cumpre a lei."
O delegado falou ainda sobre fotos que circulam nas redes sociais e as publicadas na imprensa. Uma delas é a de uma pessoa baleada em uma cadeira.
Segundo ele, as circunstâncias da morte serão apuradas.
"A Polícia Civil não entra para executar e foi feita dentro de total legalidade. Ela entra para fazer cumprir a lei", afirmou Roberto Cardoso, Diretor Geral de Proteção à Pessoa.
O delegado Rodrigo Oliveira disse que a palavra execução pode ser usada para a morte do policial civil André Farias que aconteceu no início da operação nesta quinta. "Se alguém fala em execução nessa operação, foi no momento em que o policial foi morto com um tiro na cabeça."