Ministros da Educação e da Saúde querem a retomada do ensino nas escolas, mas não apresentam balizas para que isso seja feito com segurança, no momento em que a variante Delta se dissemina
Com o avanço lento da vacinação contra a covid-19 no Brasil e da melhora dos índices de casos e mortes vistos nas últimas semanas, o governo federal força o retorno das aulas presenciais em todo o país. Mas a pressão dos ministros da Educação, Milton Ribeiro, e da Saúde, Marcelo Queiroga, nos últimos dias, requer a adoção de vários cuidados, conforme alertam especialistas, sobretudo por causa da disseminação da variante Delta no país. Uma das medidas prometidas pelos ministros para diminuir os riscos para professores, alunos e profissionais de apoio das instituições de ensino é a publicação de um protocolo para orientar estados e municípios no retorno — algo que até hoje não saiu do papel.
Nesta quarta-feira (21/07) o ministro da Saúde voltou a dar uma previsão para divulgação deste protocolo. “Acredito que na semana que vem devemos ter uma posição definitiva sobre esse protocolo”, disse Queiroga. A promessa de publicação do documento já havia sido feita por ele quando foi anunciada a criação de diretrizes para o retorno dos alunos às salas de aula. E voltou a defender a necessidade da retomada presencial, inclusive sem a vacinação completa dos professores.
“O mundo todo já voltou às aulas sem a necessidade de vacinar professor. Agora, a nossa campanha vai muito bem e 80% dos professores do ensino básico já estão vacinados com uma dose. Então, o que precisamos são protocolos, uso de máscaras, testagem e nós vamos fazer isso”, prometeu. Apesar de afirmar que estados e municípios possuem um documento para orientar a retomada, o governo federal quer dar uma direção nacional “para fortalecer e dar mais segurança” a todos.
O médico de Família e Comunidade Fillipe Loures, coordenador do EuSaúde, empresa de gestão de saúde que orienta algumas escolas na retomada do ensino presencial, entende que o país tem um cenário mais adequado para o retorno às aulas, diante do avanço da vacinação (veja arte). Mas ressalta a necessidade de que este protocolo prometido pelo governo federal seja seguido pelas escolas.
“A volta às aulas deve ser feita com muita segurança. Se não tiver um protocolo sério, validado, que vai ser seguido, realmente não dá para voltar. Se a intenção do governo é fazer um protocolo para falar que tem um, isso não vai ter o resultado que se espera. Mais importante do que existir um protocolo, é seguir o protocolo e ter um acompanhamento próximo”, alerta.
O diretor de Educação e Tecnologia da Ambra University, Alfredo Freitas, deixa claro que a retomada das aulas presenciais deve ser discutida e avaliada criteriosamente, de acordo com a situação de cada região. “Depende das características da localidade, dos professores e das instituições de ensino”, observa, acrescentando que cada etapa de ensino tem sua especificidade. Ele lembra, com base em diversos estudos internacionais, que o recomendado, agora, é a volta às salas dos alunos mais novos. “Há indícios e estudos diversos de que o risco de contaminação, especialmente de crianças por coronavírus, é muito mais baixo do que o risco em adultos”, disse.
A analista de sistemas Mônica Almeida, de 35 anos, tem dois filhos no ensino fundamental II em escolas públicas. Para ela, o cenário ainda não é seguro para a retomada, mas reconhece que, para muitas famílias, é necessário. “Acho que a vacinação ainda está muito devagar para ter segurança. Eu mesmo não estou vacinada e meus filhos, apesar de ensinados e aconselhados, são desleixados com a máscara e o álcool gel”, observou.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, negou ontem que o recuo na nomeação da médica Mara Regina Cordeiro Pezzino para o cargo de diretora-geral do Hospital Federal de Ipanema, na Zona Sul do Rio, não teve a ver com o fato de ela ser favorável ao chamado “tratamento precoce” — cujos medicamentos não têm nenhuma eficiência contra a covid-19. Ele, inclusive, anunciou que não afasta a hipótese de nomeá-la novamente. A indicação de Regina foi publicada, na terça-feira, no Diário Oficial da União (DOU). Mas, ontem, depois que veio à tona que a médica apoiava abertamente o uso de cloroquina contra o novo coronavírus, uma nova portaria saiu revogando o ato.
O governo de São Paulo anunciou, ontem, que as grávidas que tomaram a primeira dose da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca/Oxford poderão tomar a segunda com a da Pfizer. Isso porque o imunizante da AstraZeneca não será mais aplicado neste grupo desde a observação de um evento adverso grave com uma gestante que o tomou. O Ministério da Saúde, porém, não recomenda a mistura.
“A partir de 23 de julho, todas aquelas gestantes que receberam a primeira dose da vacina da AstraZeneca, de acordo com uma deliberação bipartite, podem ser vacinadas com a segunda da Pfizer”, informou a coordenadora-geral do Programa Estadual de Imunização de SP, Regiane Cardoso de Paula. Segundo o governo paulista, 8,8 mil gestantes do estado tomaram a primeira dose da AstraZeneca.
A recomendação do estado, entretanto, é contrária à do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que instruiu que grávidas que tivessem recebido a vacina de Oxford devem esperar para tomar a segunda dose do mesmo imunizante após 45 dias após o parto e, com isso, completar o esquema vacinal.
A decisão do governo de São Paulo mostra o descompasso entre estados e o PNI. Decisões que não cumprem as orientações do programa nacional — como a inclusão de adolescentes de 12 a 17 anos no calendário de vacinação contra a covid-19 ou a intercambialidade de vacinas para as grávidas — vêm sendo criticadas pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Há poucos dias, ele pediu para que os secretários municipais e estaduais de Saúde não modifiquem as orientações do PNI “por conta própria”, sobretudo no caso de grávidas e puérperas. “Não há evidência científica acerca de intercambialidade de vacinas em gestantes. Portanto, vamos manter a orientação do Programa Nacional de Imunização”, cobrou.
O governo paulista afirma que a decisão de autorizar que as gestantes tomem a segunda dose do imunizante da Pfizer foi “embasada em estudos que demonstraram boa proteção com a chamada ‘intercambialidade’ de vacinas desses dois laboratórios”. E ressalta que a medida está em conformidade com recomendações da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp).
“Existem já alguns estudos iniciais da utilização da vacina da AstraZeneca e posteriormente a segunda dose com a vacina da Pfizer nos quais foi observada que a imunidade era garantida. Não houve aumento dos efeitos adversos e nenhum efeito adverso importante. Nesse momento, a mortalidade pela covid é muito superior a qualquer risco teórico com a vacina”, destacou a presidente da Sogesp, Rossana Pulcineli.
A variante Delta do novo coronavírus já circula em alguns estados brasileiros, que confirmaram transmissão comunitária — quando não é possível rastrear a origem dos casos. É o caso de São Paulo e do Rio de Janeiro, que reúnem a maioria dos casos da nova cepa. Mesmo diante deste cenário, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, pareceu ignorar, ontem, o avanço da mutação indiana quando falou na adoção de medidas “para evitar que haja transmissão comunitária da variante Delta no país” e defendeu o retorno às aulas presenciais e as atividades econômicas.
Segundo o ministro, a pasta está acompanhando as variantes do vírus — foram contabilizados 122 casos da Delta, em nove unidades da Federação, até a última terça-feira. Ontem, o Distrito Federal entrou para a lista ao confirmar seis casos da cepa indiana.
“Precisamos conhecer bem qual o perfil desses indivíduos, qual percentual deles já estava vacinado com as duas doses da vacina e com uma dose da vacina, onde estão localizados, o isolamento dessas pessoas, para evitar que haja transmissão comunitária da variante Delta”, disse Queiroga.
A percepção do ministro, porém, está atrasada em relação ao que já acontece, pois Rio de Janeiro e São Paulo admitiram que a transmissão da Delta é comunitária. Mesmo diante desse cenário, Queiroga voltou a defender o retorno às aulas presenciais, sem detalhar que medidas devem ser adotadas.
Queiroga ainda comentou o retorno do público aos jogos de futebol, desconsiderando que 17% da população estão totalmente cobertas pela vacinação com duas doses ou aplicação única no Brasil, e que 28% receberam apenas a primeira injeção — segundo dados coletados até a última terça-feira pelo site Our World In Data. “É necessário que já consigamos promover um retorno às atividades econômicas do Brasil. Vamos conviver com essa situação pandêmica até que consigamos controlá-la de uma maneira definitiva”, explicou.