Medida de vetar quem ainda não teve a doença é inédita no país e foi contestada por uma especialista no tema
O governo de Pernambuco anunciou na quinta-feira (27) que o arquipélago de Fernando de Noronha vai permitir novamente a entrada de turistas, o que estava proibido desde o dia 21 de março por conta da pandemia da covid-19. Entretanto, a entrada será permitida apenas aqueles que comprovem que já tiveram a doença.
Segundo o governo, a abertura passa a valer a partir do dia 1º de setembro e foi decidida “após análises feitas pelo Gabinete de Enfrentamento à Covid-19.”
A medida de vetar quem ainda não teve a doença é inédita no país e foi contestada por uma especialista no tema.
Segundo o administrador da ilha, Guilherme Rocha, antes de desembarcar, o turista terá de apresentar exames, “seja o RT-PCR positivo realizado há mais de 20 dias, seja o exame sorológico (IgG) positivo, que indica a presença de anticorpos contra a Covid-19.”
Os exames deverão ser encaminhados à Administração do arquipélago junto com o pagamento da TPA (Taxa de Preservação Ambiental), taxa obrigatória para quem visita Noronha. — que a partir de agora só será feito pelo site sounoronha.com e com um prazo de até 72 horas antes do embarque.
Segundo a Administração de Fernando de Noronha informou para Nossa, não serão aceitos testes rápidos, apenas o IgG positivo (sorológico), com menos de 90 dias da data do embarque, e o RT-PCR positivo (exame de nariz e garganta), com mais de 20 dias da data do embarque.
Com a aprovação da documentação pelas autoridades de saúde, a autorização para embarque do visitante será enviada para a companhia aérea.
Não foi informado pelo governo prazo para que outros turistas possam visitar o arquipélago.
Para a professora e pesquisadora da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) na área de infectologia, Vera Magalhães, a medida do governo pernambucano não tem qualquer base científica.
“Isso não tem o menor sentido porque o fato de ter tido a doença não dá nenhuma garantia que a pessoa não vá ter novamente. Veja que esse caso de reinfecção, trata-se de paciente assintomático. Ele provavelmente — ainda não se sabe ao certo — pode transmitir a doença”, diz.
Segundo Magalhães, a recomendação é que seja seguido um mesmo protocolo sanitário sem distinção.
“Até que tudo isso esteja esclarecido, a orientação é que as medidas de prevenção devem ser mantidas: distanciamento social, uso de máscara, lavagem das mãos com frequência, está em ambiente aberto. As mesmas medidas devem ser adotadas por pessoas que já tiveram a doença e que ainda não tiveram”, explica.
Empresários e profissionais do setor divergem sobre a nova medida, pois a reabertura do turismo na ilha acontece justamente em um período crítico em que a Ciência tem anunciado casos de reinfecção por coronavírus.
“Os riscos sempre vão haver e os protocolos que estamos trabalhando são os que chegam ao máximo de segurança e responsabilidade”, diz Guilherme Rocha, administrador da ilha, em entrevista a Nossa. “Por isso não abrimos para o turismo em geral. Hoje, o mais seguro é garantir a entrada de quem já teve covid e está imune”, completa.
Embora a maioria dos estudos científicos indiquem que as pessoas que se recuperaram da doença possuem anticorpos para o vírus, a OMS (Organização Mundial de Saúde) declarou, na última reunião do dia 24 de agosto, que ainda não se sabe por quanto tempo dura a imunidade.
“Estou revoltadíssima, achei um absurdo isso. É uma piada, estou morrendo de vergonha”, declarou uma empresária local que pediu para não ser identificada. “A ilha estava em uma bolha e precisaria se preparar primeiro antes de reabrir para turistas”, completa.
A bióloga Zaira Matheus, moradora local, acredita que a restrição tenha sido anunciada para que possa haver uma maior discussão de protocolos para o turismo em geral.
Entre os eventos em Noronha que devem se beneficiar com a reabertura, a 32ª edição da Refeno (Regata Internacional Recife-Fernando de Noronha) foi confirmada para outubro, cujas medidas ainda não foram divulgadas.
Já Ailton Flor, presidente da Associação de Condutores de Fernando de Noronha, vê o retorno de forma positiva.
“Talvez isso [liberar apenas para alguns] não seja o ideal, mas eu vejo com bons olhos. A gente vai começar a ganhar fôlego e até o final de setembro devemos ter melhores notícias”, diz “Isso vai começar a movimentar a ilha e é importante termos esse começo”.
Até 27 de agosto, Noronha registrava 95 casos do novo coronavírus, sendo 42 identificados pelo estudo epidemiológico em curso no arquipélago, que deve ser concluído apenas em 2021.
Um dos casos mais polêmicos ocorreu em 17 de maio, quando o aeroporto local recebeu 12 prestadores de serviços essenciais que estavam infectados por coronavírus, gerando protestos dos moradores em frente à casa do administrador da ilha.
Com o turismo como a principal atividade econômica do arquipélago (cerca de 95% da população trabalha no setor), a ilha tem tomado decisões para amenizar a perda de receita, como distribuição de cestas básicas e vale-gás.
“É óbvio que esse passo que vai ser dado busca a segurança e reativação das atividades econômicas no arquipélago”, afirma André Longo, secretário de Saúde de Pernambuco.
Desde junho, algumas atividades voltaram a funcionar em Noronha, como bares, restaurantes e lanchonetes, mas o destino continuava fechado para visitantes.