Ao chegar na 65ª Feira do Livro de Porto Alegre, na Praça da Alfândega, o estivador aposentado e guardador de carros João Carlos dos Santos, 70 anos, leu o ‘Bem-Vindos!’ escrito na faixa de entrada e abriu um largo sorriso no rosto.
Seu João foi convidado pelo Programa de Alfabetização de Adultos do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) a participar. Sobre a ocasião, definiu que poder ‘passear’ pelo local era o seu ‘presente adiantado de Natal’.
Até meados do ano passado, o idoso era analfabeto e não sabia ler o próprio nome. Ele largou os estudos no 1º ano do Ensino Fundamental para ajudar a mãe recém viúva, Inês, no sustento da família.
Ao recordar a infância, Seu João rememora o trabalho na construção civil antes de completar 10 anos de idade. Por este motivo, o desejo de voltar aos bancos escolares foi ficando cada vez mais distante. “Sempre me incomodou o fato de eu não saber ler o nome da linha do ônibus que eu pegava para ir ao trabalho. Me sentia um cego”, confidenciou.
De volta aos estudos e primeiro livro adquiridoVoltar a estudar se tornou possível quando ele compartilhou com um cliente do estacionamento onde trabalha o desejo de aprender a ler. O cliente, que ele nem sabe o nome, incentivou-o a procurar as aulas gratuitas do CIEE.
Uma vez no Centro de Integração Empresa-Escola, Seu João ganhou cadernos, caneta e lápis para começar a estudar. Ao comentar com os filhos a novidade, recebeu de volta desconfiança.
“Duvidaram que, durante a semana, eu trocaria a televisão pelos cadernos. Com o tempo, provei que era capaz. Hoje, eles têm orgulho de mim. Faço questão de dizer que a minha professora (Débora Westhauser) é o meu Deus na Terra e o CIEE, minha segunda casa”, contou.
O idoso deixa escorrer uma lágrima quando lembra a primeira palavra que leu sozinho: MÃE. Falecida há cinquenta anos, Dona Inês logo veio à sua mente.
À medida que se aprofundava nas palavras, aprendeu que y e w também fazem parte do nosso alfabeto e agora lê, orgulhoso, ‘Leopoldina’, o nome da linha de ônibus do bairro onde mora.
“Sabe uma descarga de alta-tensão? Nunca tomei um choque, mas acho que foi isso que senti quando comecei a ler. Ainda fico deslumbrado com cada palavra“, emocionou-se.
Pouco antes de chegar na Feira do Livro, Seu João pôde ler a colcha de retalhos formada com as palavras escritas pelos alunos e que simbolizam o que é a alfabetização para cada um deles.
O aposentado escreveu ‘conhecimento’. Cada colega deixou sua contribuição: ‘esperança’, ‘aprender’, ‘acreditar’, ‘felicidade’, ‘liberdade’ e ‘vida’ foram alguns dos termos retalhados.
Cientes de que muitos não teriam condições de ir às compras na Feira do Livro, os funcionários do CIEE doaram quase 400 livros para os estudantes, que puderam escolher livremente quais obras levar para casa.
Vasculhando entre as caixas, Seu João encontrou uma história em quadrinhos. “Este vai comigo! Adoro a Turma da Mônica“, garantiu.
Ele ainda levou um livro de contos de Machado de Assis e um de sonetos de Machado de Assis. Escolheu para saciar a própria curiosidade, pois ‘já tinha ouvido falar o nome dos dois várias vezes’.
O aposentado conta que mesmo trabalhando a meio quilômetro da Praça da Alfândega, nunca teve coragem de ir à Feira devido a vergonha de não saber ler.
Hoje, a história é outra. Confiante, chegou de coração aberto e sorriso largo no rosto.
“Vocês vão me matar do coração. Não sei se mereço tanto. Que presente!”, repetia o aposentado às professoras do CIEE.
Após ser encorajado a comprar seu primeiro livro em 70 anos, o guardador de carros revirou algumas bancas com preços entre R$ 1 e R$ 10. Ameaçou levar uma obra que tratava sobre a Revolução Russa de 1917, mas desistiu, achando que seria uma leitura difícil para alguém que acabou de entrar no mundo da literatura.
Algumas bancas adiante, encontrou uma colega, Hermínia Silva da Silva, 49 anos, escolhendo uma obra infantil. Ele teve a mesma ideia: pegou ‘Janela da Poesia – Turminha do Peteleco’, da escritora Ana Cecília Romeu, destinada a alunos do 1º ao 2º ano do Ensino Fundamental, ideal para ler, colorir, desenhar e ainda criar textos.
Feliz da vida, ele fez questão de ler em voz alta o primeiro parágrafo de cinco linhas: “Peteleco brinca com seus amigos todos os sábados no parque do bairro onde mora. Hoje está um dia ensolarado e quente. Duas amigas, a Carminda e a Bonequinha, chegam para se divertir junto com ele.”
Titubeou um pouquinho, mas compreendeu o sentido do texto. Sentiu-se agraciado, dizendo que recebera um presente de Natal ‘adiantado’. E prometeu: vai devorar vários livros nos próximos meses. Fome de leitura!
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Fonte: Gaúcha ZH/Fotos: Omar Freitas/Agencia RBS