Há cerca de 16 anos, o agricultor Paulo Birck, então com 23 anos, se preparava para puxar a última carga de esterco do dia. Durante o reboque do trator, sete toneladas de cama de aviário eram levadas de um ponto a outro da propriedade da família. Em uma subida, o eixo do reboque cedeu.
Ao colocar o macaco hidráulico para tentar resolver o problema, veio o acidente trágico: o macaco quebrou e o peso de sete toneladas caiu de uma vez nas pernas do rapaz.
Quase trinta minutos se passaram até a chegada dos bombeiros e do guincho de resgate.
Paulo esteve consciente durante todo esse tempo e já imaginava que algo terrível acontecera com seus pernas. “Eu já não sentia dor, não sentia nada da cintura pra baixo”, conta.
Levado às pressas para o hospital, ficou 30 dias na UTI e foi submetido a duas cirurgias nas vértebras, que não foram suficientes para impedir o quadro de tetraplegia.
Após o choque de realidade, Paulo recomeçou a vida do zero. “A gente acaba enxergando a vida e tudo que nos rodeia de outra forma”, avalia. “É um processo de adaptação, em que cada pequena conquista é celebrada.”
Dezesseis anos depois, a família de Paulo é uníssona em dizer: não há barreiras ou impedimentos para os talentos e habilidades do filho, mesmo agora, com ele andando sob uma cadeira de rodas.
Agricultor com excelência
O agricultor, agora com 39 anos, é um dos responsáveis por tirar o leite das 75 vacas em lactação, que produzem 3 mil litros de leite ao dia, além de ser o gestor da propriedade, fazendo anotações em cadernos de campo, controlando entradas e saídas, cuidando das finanças e fazendo toda a parte burocrática de papelada.
Ele faz tudo isso com o auxílio de veículos adaptados, sala de ordenha com acessibilidade e maquinário com tecnologia que facilita a realização das atividades.
Essa é sua rotina de trabalho, realizado ao lado do pai, também chamado Paulo, da mãe, Glaci, dos irmãos, Pedro e Martina, e do cunhado, Henrique.
“Sinceramente eu não sei como seria se eu não tivesse sofrido o acidente”, pondera. “Mas de lá para cá resolvi estudar, terminei o ensino médio em 2003, fiz um tecnólogo na área de agricultura familiar e sustentabilidade e enveredei mais para essa área de pensar a propriedade, de planejar”, comenta.
Nesse meio tempo, a produção leiteira deu um salto de 500 para os 2 mil litros diários atuais. “E nisso entra desde o melhoramento genético, passando pela criação correta das terneiras, até chegar à dieta do rebanho e os cuidados com a higiene”, explica o agricultor.
Paulinho, como é carinhosamente apelidado, é considerado bastante ativo na comunidade. Como liderança sindical regional, ele chegou a ir a Brasília de ônibus, poucos meses depois do acidente.
Ele nunca deixa de participar dos eventos da comunidade, dos churrascos de domingo. Trabalhou na indústria, onde obteve uma boa experiência. Foi vereador. Pratica basquete com uma equipe de cadeirantes de Lajeado. Faz canoagem. Joga bocha. Pratica tiro em uma sociedade italiana. Conhece outras pessoas, tem compromissos. “Nunca tive depressão ou precisei de psicólogo. O que tive foi o apoio da minha família, que nunca teve vergonha de mim, e dos amigos, especialmente os do movimento sindical”, lembra.
Todos os dias são dias de aprendizado. “Não gosto que as pessoas me tratem de forma diferente, ou que me cedam lugar nos locais públicos só porque estou em uma cadeira de rodas. Vou ao banco, ando de carro, pago boletos, me movimento como todos”, salienta.
Sobre o futuro, Paulinho pensa em profissionalizar ainda mais sua propriedade rural, ao lado da família. “É essa união, somada as outras coisas que fazem a nossa existência ter sentido, que nos fazem seguir em frente todos os dias”, conclui.
Fonte: Deficiente Ciente/Fotos: Reprodução/Agrolink