Segundo o diretor do instituto, Dimas Covas, é possível terminar todos os testes clínicos e ter 40 milhões de doses até o final do ano
Butantan cria nova vacina para Covid e pede início de testes em humanos (Foto: divulgação/ assessoria Butantan)
O Instituto Butantan criou uma nova candidata a vacina contra a Covid-19, e pedirá autorização para ensaios clínicos com seres humanos à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nesta sexta (26).
A pandemia já matou mais de 300 mil brasileiros. O Butantan é o maior produtor de vacinas do país e já fornece a Coronavac, fármaco de origem chinesa mais disponível hoje no Brasil.
O imunizante se chama Butanvac e foi desenvolvido pelo instituto, que lidera um consórcio internacional do qual ele é o principal produtor —85% da capacidade total de fornecimento da vacina, se ela funcionar, sairá do órgão do governo paulista.
O diretor do Butantan, Dimas Covas, diz ser possível encerrar todos os testes da vacina e ter 40 milhões de doses prontas antes do fim do ano.
Há pelo menos outros sete estudos de imunizantes no Brasil, todos na fase anterior aos ensaios clínicos. “É uma segunda geração de vacina contra a Covi-19, pode haver uma análise mais rápida”, afirmou.
“Um grande avanço da ciência brasileira a serviço da vida”, afirmou o governador paulista, João Doria (PSDB).
Promotor da Coronavac e antagonista do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na condução da crise sanitária até aqui, o tucano pode ter um segundo trunfo político em mãos se a Butanvac for eficaz. Ele é um provável adversário de Bolsonaro na eleição do ano que vem.
O pedido de autorização se refere às fases 1 e 2 de testes da vacina, nas quais serão avaliadas segurança e capacidade de promover resposta imune com 1.800 voluntários. Na fase 3, com até 9.000 indivíduos, é estipulada sua eficácia.
A Butanvac já passou pelos testes pré-clínicos, nos quais são avaliados em animais efeitos positivos e toxicidade.
Como a Butanvac utiliza uma tecnologia já usada amplamente no próprio Butantan para fabricar a vacina anual contra a gripe comum, Covas crê que isso será um fator a mais para acelerar seu desenvolvimento.
As vacinas que foram desenvolvidas mais rapidamente contra a Covid-19 no mundo demoraram menos de seis meses para completar suas fases 1 e 2. “Mas elas eram totalmente novas”, pondera Covas.
A vacina será testada nos dois outros países participantes do consórcio, Vietnã e Tailândia —neste último, a fase 1 já começou.
A tecnologia em questão utiliza o vírus inativado de uma gripe aviária, chamada doença de Newcastle, como vetor para transportar para o corpo do paciente a proteína S (de spike, espícula) integral do Sars-CoV-2.
A proteína é responsável pela ligação entre o vírus e as células humanas, e ao ser inserida sozinha no corpo estimula a resposta imune. Segundo Covas, ela já utilizará a proteína da variante amazônica, a P.1, mais transmissível e possivelmente mais letal.
Outra vantagem prevista, se o fármaco funcionar, é de escala e de independência. O seu vetor é criado dentro de ovos embrionados, o que aumenta bastante a rapidez de sua produção, e não há necessidade de nenhum insumo importado.
Hoje, tanto a Coronavac (Butantan) quanto a vacina de Oxford (Fiocruz) são formuladas e envasadas no Brasil com insumos vindo da China. A partir do segundo semestre, o órgão paulista prevê a fabricação nacional da vacina.
Na Butanvac, o vírus é inativado com produtos químicos e, como a doença de Newcastle não afeta humanos, é uma alternativa ainda mais segura do ponto de vista de efeitos colaterais.
A Coronavac, cujos estudos da fase 3 foram coordenados no Brasil pelo Butantan, utiliza o próprio Sars-CoV-2 inativado como vetor. A vacina de Oxford/AstraZeneca, que também está sendo usada no Brasil, utiliza um adenovírus causador de gripe em macacos para inserir a proteína S.
Outras vacinas usam tecnologias mais recentes, como é o caso dos fármacos da Moderna e da Pfizer, que utilizam material genético (RNA mensageiro).
A vantagem é uma alta eficácia, mas elas são menos estáveis e também não trazem a segurança que métodos usados há mais tempo conferem.
“Após o final da campanha de produção da vacina contra influenza, que termina em maio, podemos iniciar imediatamente a produção da Butanvac. Atualmente, nossa fábrica envasa a da influenza e a Coronavac. Estamos em pleno vapor”, afirma Covas. Todo ano, o instituto produz 80 milhões de doses contra a gripe.
Não foi divulgado ainda o custo do projeto até aqui. “Poder entregar mais vacinas é o que precisamos em um momento tão crítico”, disse Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa clínica do Butantan.
A imunização vai a passos lentos no Brasil, com 8,7% da população adulta tendo recebido ao menos uma dose de alguma vacina e 2,8%, duas doses.
O desenvolvimento da Butanvac em nada altera o cronograma da Coronavac.
Já foram entregues 27,8 milhões das 46 milhões de doses previstas até 30 de abril, e o governo federal encomendou mais 54 milhões até setembro.
As compras só ocorreram após intensa pressão política. Doria acelerou a aposta na vacina e a ofertou em outubro passado para o Programa Nacional de Imunização.
A aquisição chegou a ser anunciada pelo então ministro Eduardo Pazuello (Saúde), mas Bolsonaro o desautorizou na sequência e disse que não compraria o que chamou de vacina chinesa.
O tucano então anunciou em dezembro seu programa próprio de vacinação, forçando Bolsonaro a se mexer. O agravamento da pandemia, que trouxe uma queda abrupta na popularidade do presidente, selou sua conversão à vacinação.
Nas últimas semanas, com cobranças públicas dos seus apoiadores no centrão, Bolsonaro demitiu Pazuello e formou um comitê com o Legislativo e alguns governadores sobre a crise.
Em rede nacional de TV na terça (23), fez um pronunciamento coalhado de mentiras sobre o que teria feito contra a pandemia, mas comprometeu-se a tornar a imunização uma prioridade.
Doria, por sua vez, seguiu conselho de aliados e reduziu sua exposição na crise em um momento agudo. A atual fase emergencial de restrições ao comércio deverá ser estendida por mais 15 dias, e cidades articulam lockdowns.