Negacionismo, aglomerações, disseminação de variantes do vírus e falta de infraestrutura hospitalar estão entre razões que levaram país a registrar índices inéditos
Nas últimas duas semanas, o Brasil atingiu patamares inéditos dos principais indicadores da pandemia da Covid-19 — os índices de infecções, óbitos, médias móveis e internações nunca foram tão altos. O GLOBO explica abaixo como cada tragédia está conectada e de que forma esses recordes alçaram o país ao posto de epicentro global da Covid-19.
O Brasil vê, desde dezembro, o número de casos acelerar até ter atingido 90.830 infectados num único dia — marca recorde desde o início da pandemia. A multiplicação de contágios ocorre na esteira do negacionismo incentivado pelo governo federal, nas aglomerações e festas, principalmente no fim do ano e no carnaval, na baixa adesão ao isolamento social e na marcha lenta da vacinação.
Segundo Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, o surgimento de novas variantes também ajuda a explicar esse cenário.
— Ainda assim, as variantes são apenas um fator, e não a única explicação para o aumento da transmissão do vírus. Já era esperado o surgimento de novas cepas. Foi o que ocorreu há três meses na Inglaterra, por exemplo. Para o país se recuperar, entrou em lockdown, mas esta medida não é tomada aqui — lamenta.
As principais variantes conhecidas do Sars-CoV-2 que circulam no território nacional são as linhagens P1 e P2. Ambas contam com a mutação E484K na proteína S do vírus, alvo da maioria das vacinas e testes de diagnóstico. Essa mutação é associada a uma maior capacidade de transmissão. Também se teme que possa escapar do ataque de anticorpos e, com isso, reduzir a eficácia de vacinas. Há ainda uma terceira variante que já teria se espalhado por estados de todas as regiões do país, à exceção do Centro-Oeste.
— Infelizmente, é uma evolução inevitável da forma pela qual a pandemia está sendo encarada no nosso país, com negacionismo ao problema e totalmente sem liderança e planejamento — afirma Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. — Necessitamos de vacinação em massa o mais rápido possível, mas não sabemos quando e se isso irá acontecer.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a média móvel de novos casos de Covid-19 diminuiu 74,9% no início de março, em comparação ao maior pico registrado no mês de janeiro deste ano. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o índice de 249.360 contaminações (11 de janeiro) caiu para 62.555 (3 de março).
A melhora nos índices americanos acompanha o avanço da campanha de vacinação no país. Até 4 de março, 16,1% dos cidadãos já haviam recebido ao menos a primeira dose da vacina contra a doença. No Brasil, apenas 5% da população brasileira recebeu a primeira dose.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgou um boletim na última terça-feira alertando que a atual situação da pandemia corresponde ao “maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil”, resultado das taxas recordes de infecção.
O boletim mostra que, no momento, das 27 unidades federativas, 24 estados e o Distrito Federal estão com taxas de ocupação de leitos de UTI Covid-19 para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS) iguais ou superiores a 80%, sendo 15 com taxas iguais ou superiores a 90%. Em relação às capitais, 25 das 27 estão com essas taxas iguais ou superiores a 80%, sendo 19 delas superiores a 90%.
“Os números elevados denotam o colapso do sistema de saúde para o atendimento de pacientes que requerem cuidados complexos para a Covid-19”, informa o texto do boletim. “Na primeira onda de contágio o remanejamento logístico de pacientes para outros municípios, regiões ou estados que apresentavam a diminuição dos casos foi possível. Após o processo de sincronização da epidemia, processos envolvendo a ampliação da propagação fizeram com que a doença crescesse de forma simultânea no país. Um dos efeitos diretos desse processo é a impossibilidade de remanejamento de pacientes não só para atendimento de Covid-19, mas para outras causas também”.
Em 17 de julho, quando o mapeamento começou a ser feito, apenas três estados tinham taxa de ocupação crítica. Em outubro do ano passado, nenhum estava nessa situação.
A desobediência às normas sanitárias e o esgotamento do sistema de saúde levam, em último caso, à explosão de mortes em território nacional. No último dia 10, o Brasil registrou, pela primeira vez, mais de 2 mil óbitos em um dia — foram 2.349. O país segue acelerado rumo a uma nova marca inédita, como admite o próprio Ministério da Saúde. Em um relatório publicado no início do mês, a pasta admitiu que, ainda em março, o Brasil poderia perder 3 mil vidas por dia para a Covid-19.
Nesta semana, o Brasil ultrapassou os EUA na média móvel de mortes diárias por milhão de habitantes. A média móvel semanal nesta quarta-feira chegou a 2.031, batendo recorde pelo 19º dia consecutivo.
Desde o início da pandemia, ficou evidente a falta de insumos nas unidades de saúde, como máscaras, equipamentos de proteção individual, respiradores e kits de internação. Uma consequência da carência de infraestrutura, além do aumento descontrolado dos casos, é a exaustão das equipes médicas.
— A pandemia está em plena evolução. O número de óbitos demorará muito a cair, já que as internações continuam subindo — explica Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. — Pode ser que algumas regiões do país tenham em breve um colapso do serviço funerário.
Coordenador da Força-Tarefa da Unicamp contra a Covid-19, Alessandro Farias ressalta que o Brasil nunca conseguiu zerar os casos da pandemia.
— Quando surgiu a Covid-19, pensamos que ela não faria estragos no país porque nossa temperatura é quente, ou que a vacina BCG supostaria nos protegeria, ou porque a cloroquina seria um remédio adequado. Não tomamos atitudes. Dependemos de vacinas, e nossa produção é muito abaixo da necessária.