Número de meninas e meninos internados nos primeiros três meses de 2021 com a doença ultrapassa a quantidade de todo o ano de 2020
As crianças têm a mesma propensão que os adultos para se infectar com a Covid-19. No entanto, apresentam menos sintomas ou risco de desenvolver formas graves da doença. Apesar disso, o número de internações de meninos e meninas da capital em decorrência do novo coronavírus cresceu com o avanço da pandemia.
No Distrito Federal, as internações de menores de 14 anos em unidades de terapia intensiva (UTIs) nos primeiros três meses de 2021 já ultrapassou o total de 2020. Foram sete casos no ano passado, contra 10 registrados só na sexta-feira (19/3), quando a taxa de internação em leitos pediátricos de UTI chegou a 100%. Apesar da situação crítica, não houve óbitos entre os pequenos pacientes.
Até agora, o DF registrou cinco mortes de crianças com menos de 14 anos em decorrência da Covid-19. Nenhum dos óbitos aconteceu em 2021, mesmo com o aumento de internações. Desde o início da pandemia até a última sexta-feira, 14.468 crianças foram diagnosticadas com o novo coronavírus em Brasília.
A tendência de aumento das internações, mas de redução de mortes, foi observada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). De acordo com relatório emitido pela entidade, em todo o Brasil, apenas em 2021, 65 crianças com menos de 5 anos faleceram em decorrência da Covid-19, média de 1,16 por dia. No ano passado, foram 562 óbitos registrados na faixa etária, com média de 1,5 por dia.
Apesar do crescimento das hospitalizações, as crianças ainda são minoria nos leitos de UTI.
“Quando a pandemia começou no DF, a primeira atitude foi fechar escolas, porque se pensava que a Covid teria o mesmo comportamento do Influenza [vírus que causa a gripe], que tivesse o mesmo mecanismo e virulência para a criança. Ao longo do ano, os estudos avançaram e viram que, para a criança, a doença é praticamente benigna, por não ser tão letal para elas”, explicou a infectologista do Hospital de Águas Claras Ana Helena Germoglio. Para a especialista, o aumento nas internações deve ser explicado por uma série de fatores.
“Sabemos que as variantes têm poder maior de causar infecção. Sabemos que infecta mais, mas não necessariamente aumenta a letalidade. Há estudos que mostram que a P1 [variante do coronavírus registrada em Manaus] infecta mais as crianças também”, esclareceu a infectologista. Ana Helena lembra ainda que, em 2021, as pessoas não seguiram o distanciamento social, o que está diretamente ligado ao recrudescimento da pandemia, e, portanto, aos casos de internação.
Em todo o Brasil, as internações por Covid-19 cresceram de 20,39 por dia em 2020 para 21,57 por dia em 2021. Mas, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a letalidade da infecção caiu de 7,42% para 5,3% no mesmo período para crianças de até 5 anos.
“Crianças raramente são hospitalizadas, menos de 3% das internações dizem respeito a menores de 20 anos de idade; cerca de 1,5% é de menores de 11 anos; e só 0,5% ou 0,3% se refere a mortes de menores de 5 anos”, explicou Renato Kfouri, um dos presidentes do departamento de imunizações da SBP.
Além do aumento da internação das crianças, o DF viu uma explosão na internação de jovens, que, segundo a Secretaria de Saúde (SES), subiu 2.800% entre janeiro e março. Na contramão, a internação de idosos com 80 anos ou mais caiu 45% no mesmo período. A pasta acredita que a diminuição de internações no grupo mais vulnerável à doença é consequência direta do programa de vacinação, que prioriza os idosos.
Ainda de acordo com a médica Ana Helena Germoglio, os pais podem ter se assustado nos últimos dias com o aparecimento de doenças respiratórias não relacionadas à Covid-19 em crianças, mas com os mesmos sintomas. “Os pais ficam muito preocupados com catarro, tosse… Isso é comum, devido à mudança climática, que traz quadros de resfriado”, afirmou. O retorno dos vírus foi ainda maior por causa da volta às aulas presenciais no DF, explica a profissional.
Apesar de o coronavírus não afetar as crianças da mesma forma como atinge os adultos, é importante estar atento a efeitos colaterais da doença, como a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), que pode acometer crianças que já tiveram Covid-19. Em novembro, o Metrópoles contou a história de Maria Eduarda Mowbray, 10 anos, que desenvolveu a condição.
À época, a criança começou o tratamento no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), na Asa Sul, onde foi intubada. “Foi a coisa mais chocante pra mim. Duas semanas antes, ela era uma criança saudável, e naquele momento ela estava intubada”, contou a madrinha da garota, Laura Karoliny Nogueira.
Segundo os médicos, a doença tinha afetado os órgãos da menina, e a intubação serviria para amenizar o esforço, principalmente do coração. Após melhora do quadro, Maria Eduarda foi retirada dos aparelhos e transferida ao Hospital de Base, mas permaneceu na UTI, onde os médicos confirmaram o diagnóstico de SIM-P.
“Eu conversei com muitas pessoas sobre essa doença, e todas tomaram um susto quando souberam que ela existia. Ninguém ficou sabendo que o coronavírus podia ter esse efeito em crianças”, contou Laura. Apesar do susto, a previsão para as crianças que contraem SIM-P é de boa recuperação.
Segundo médicos, crianças com SIM-P são intubadas devido ao estado grave, e não à doença em si, então quase sempre há uma recuperação completa. Foi o que aconteceu com Maria. “O que a gente espera é que a Maria não deixe mais de brincar, como sempre fez”, disse a mãe da criança, Ingrid Mowbray.
Caso crianças sejam diagnosticadas com a Covid-19, a recomendação da Secretaria de Saúde do Distrito Federal é de que elas sejam levadas ao Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), referência em tratamento pediátrico para a Covid-19 no DF.