Palácio do Planalto pretende transformar a ampliação do benefício em fato novo para a campanha de Bolsonaro. Executivo desiste de zerar ICMS de combustíveis
O governo do presidente Jair Bolsonaro decidiu elevar de R$ 400 para R$ 600 o valor mínimo do Auxílio Brasil, programa social criado em substituição ao Bolsa Família, a menos de quatro meses das eleições presidenciais. O tema deve ser levado pelo Palácio do Planalto a reunião de líderes do Congresso Nacional na próxima segunda-feira. A ideia é que o aumento do programa seja limitado até dezembro.
No mesmo dia, o governo deve levar ao Congresso a criação de um vale para caminhoneiros autônomos de R$ 1.000, discutido pelo governo como forma de compensar a alta no preço dos combustíveis. Esse programa está sendo chamado no Executivo de "PIX Caminhoneiro".
Além disso, o auxílio para a compra do gás de cozinha deve ser dobrado. As medidas precisam ser aprovadas pelo Congresso. No total, as ações custarão cerca de R$ 30 bilhões e devem substituir a redução a zero do ICMS sobre o óleo diesel, que chegou a ser anunciada pelo governo.
Para viabilizar os novos gastos, a ideia do governo é que seja instituído um estado de emergência, a ser regulamentado em proposta de emenda à Constituição (PEC) em discussão no Senado que deve criar os benefícios.
O estado de emergência está sendo articulado para driblar as restrições impostas pela lei eleitoral — que impede a criação e a ampliação de programas sociais em ano de eleição. As únicas exceções são programas já em execução ou em casos de calamidade pública ou estado de emergência.
A PEC foi desenhada inicialmente como forma de compensar parcialmente os estados para zerar o ICMS do óleo diesel. Isso chegou a ser anunciado por Bolsonaro no Palácio do Planalto, mas agora o governo recuou e prefere aumentar o Auxílio Brasil, por entender que o benefício é mais focalizado e com um impacto político maior.
Inicialmente, essa PEC prevê um gasto fora do teto de R$ 29,6 bilhões para compensar os estados. Agora, a ideia é usar esse dinheiro para aumentar o Auxílio Brasil, que custará cerca de R$ 21 bilhões até o fim do ano. O vale para caminhoneiros terá um custo de R$ 4 bilhões e o auxílio para o gás, R$ 2 bilhões. Todas os programas devem ter seis parcelas.
O governo quer transformar a ampliação do Auxílio Brasil num fato novo para a campanha de Bolsonaro, que está em baixa nas pesquisas para a eleição.
Ministros do governo avaliaram ainda que é mais vantajoso politicamente e economicamente aumentar a transferência de renda diretamente do que compensar os estados.
Bolsonaro está em guerra contra os governadores por conta do ICMS dos combustíveis. Tanto o governo quanto os estados foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) discutir o assunto. É nesse contexto que se insere a decisão do governo de não mais reduzir o ICMS, mas sim aumentar o Auxílio Brasil. Além disso, o benefício é focalizado e não beneficia pessoas de alta renda, como um subsídio irrestrito.
O Executivo tem chamado os R$ 200 a mais do Auxílio Brasil de "auxílio emergencial", para remeter ao benefício pago durante a pandemia de Covid-19 e que chegou a ser de R$ 600.
A inflação acima de dois dígitos (causada por diversos fatores, como a alta dos combustíveis e dos alimentos) é o principal problema para a campanha de Bolsonaro, na avaliação de integrantes do governo. Por isso, aumentar os valores dos benefícios sociais é visto como uma saída para o presidente.
Além disso, o governo já conseguiu aprovar no Congresso o limite de 17% a 18% para o ICMS dos combustíveis e está trocando o comando da Petrobras para evitar novos aumentos.
A ideia do Planalto é, ainda, turbinar o Auxílio Gás. Criado no ano passado, o benefício é destinado a cerca de 5,5 milhões de famílias. O valor do benefício corresponde a 50% da média do preço do botijão de 13 kg, o gás de cozinha e é pago a cada dois meses. Hoje, o valor é de R$ 53, abaixo da média nacional do preço do produto. A intenção agora é que o benefício seja pago mensalmente.
Está mantida a redução a zero dos impostos federais (PIS/Cofins e Cide) sobre a gasolina, a um custo de cerca de R$ 16 bilhões. Isso já foi aprovada pelo Congresso e aguarda apenas a sanção de Bolsonaro.
Estado de emergência
O estado de emergência, ventilado pelo governo nesta semana, é uma forma de o governo e o Congresso driblarem a lei eleitoral.
A legislação eleitoral diz expressamente: "No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa".
A ideia do governo e da cúpula do Congresso é que a PEC contenha um artigo estabelecendo um "estado de emergência" em decorrência dos impactos do cenário internacional nos preços do petróleo e, como consequência, nos valores dos combustíveis.
No Palácio do Planalto, a instituição do estado de emergência na PEC é comparada ao mecanismo que abriu caminho aos gastos excepcionais de combate à pandemia de Covid-19. Naquela época, o governo pediu e o Congresso aceitou a decretação de um estado de calamidade. O dispositivo também afastaria a incidência de outras normas da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Diretrizes Orçamentárias na criação e ampliação de benefícios.
O governo já usou um estado de calamidade e discute agora adotar um estado de emergência, mas não há nenhuma legislação que indique quais critérios devem ser usados para decretá-los. Basta que o Congresso reconheça essa situação. A legislação nacional trata apenas das medidas que podem ser adotas quando já há a decretação do estado de emergência ou de calamidade.
Quando pediu ao Congresso, em 2020, para reconhecer o estado de calamidade, o governo citou os impactos da Covid-19 sobre a economia e alertou para o risco de paralisação da máquina pública. Agora, a ideia é que o governo não peça o reconhecimento do estado de emergência. A intenção é que isso seja colocado pelo próprio Congresso Nacional.
Como a PEC é apresentada pelo Congresso, a estratégia seria uma forma de tentar blindar Bolsonaro de questionamentos judiciais, pois não haveria um ato formal do governo. Um dos riscos é que fosse caracterizado abuso de poder econômico. Uma condenação por ferir a lei eleitoral poderia tornar o presidente inelegível por oito anos.
O risco, porém, é que o estado de emergência abra a possibilidade de uma série de outros gastos a menos de quatro meses da eleição, e não apenas as despesas voltadas para reduzir o preço dos combustíveis.
Vitor Rhein Schirato, professor do Departamento de Direito do Estado da USP, afirma que a ideia de fazer uma PEC para estabelecer um estado de emergência é uma excrescência e que PEC “não pode tudo”.
— Numa circunstância como essa, a gente deveria entender que as cláusulas eleitorais são cláusulas pétreas, porque elas estão diretamente relacionadas à democracia. Existem as regras de igualdade de justiça do pleito. O pleito tem que ser isonômico. Isso implica, entre outras coisas, as vedações da lei eleitoral, como criar e ampliar benefícios. Criar benefício é quebrar isonomia das eleições. A proibição de criar programas e benefícios em ano eleitoral é uma coisa que está diretamente relacionada à cláusula democrática da Constituição — afirma.
Embora não exista uma regra específica para decretação de calamidade e de emergência, o professor afirma que a situação do país hoje não é essa.
— Não é possível fabricar um estado de emergência. Isso é uma medida eleitoral e uma deturpação da Emenda constitucional — afirma.
Para ele, seria legalmente factível um estado de emergência em caso de guerra envolvendo o Brasil diretamente ou um desastre natural, por exemplo:
— Não posso criar uma PEC que autoriza um estado de emergência inexistente para quebrar a isonomia das eleições. Eu poderia ter um estado de emergência se eu tivesse um estado de emergência, como um terremoto, uma nova pandemia.