Luna é ex-ministro da Defesa e atualmente é diretor-geral da Itaipu Binacional. A indicação do militar ocorre em meio às críticas de Bolsonaro à política de preços da Petrobras
Joaquim Silva e Luna, enquanto diretor-geral da Itaipu Binacional (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Na tentativa de interferir na Petrobras, o presidente Jair Bolsonaro indicou o general Joaquim Silva e Luna como novo presidente da estatal. Se confirmado pelo conselho de administração da companhia, ele substituirá Roberto Castello Branco, alvo de críticas de Bolsonaro.
A decisão representa uma derrota para o ministro Paulo Guedes (Economia), que defendia a permanência do atual executivo no cargo e era contra intervenções na companhia. Prevaleceu o interesse da ala militar do governo.
Luna é ex-ministro da Defesa e atualmente é diretor-geral da Itaipu Binacional. A indicação do militar ocorre em meio às críticas de Bolsonaro à política de preços da Petrobras e das queixas de caminhoneiros pela alta dos combustíveis.
O general da reserva João Francisco Ferreira foi indicado para o cargo de diretor-geral de Itaipu.
“O governo decidiu indicar o senhor Joaquim Silva e Luna para cumprir uma nova missão, como conselheiro de administração e presidente da Petrobras, após o encerramento do ciclo, superior a dois anos, do atual presidente, senhor Roberto Castello Branco”, diz uma nota publicada por Bolsonaro numa rede social.
A efetivação da troca na presidência da Petrobras depende de decisão do conselho de administração da empresa. Na terça (23), o colegiado discute a composição da diretoria, cujo mandato vence em março.
O assunto já tinha sido pautado antes mesmo das queixas de Bolsonaro e a expectativa da empresa era pela recondução de Castello Branco. As declarações de Bolsonaro sobre mudanças na empresa pegaram a cúpula da estatal de surpresa.
Castello Branco tem se mantido em silêncio e a companhia até o momento não se manifestou sobre o assunto. Indicado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, Castello Branco foi nomeado no fim de 2018 e reconduzido para um mandato de dois anos em 20 de março de 2019.
Nesta quinta-feira (18), Bolsonaro já havia dito que promoveria mudanças na Petrobras e anunciou isenção de impostos federais sobre o diesel e o gás de cozinha.
O presidente disse que “não tem quem não ficou chateado com o reajuste” de preços de combustíveis anunciado pela estatal e fez críticas a Castello Branco.
“Não posso chamar a atenção da Agência Nacional de Petróleo, porque é independente, mas tem atribuição também. Não faz nada. Você vai em cima da Petrobras, ela fala ‘opa, não é obrigação minha’. Ou como disse o presidente da Petrobras, há questão de poucos dias, né, ‘eu não tenho nada a ver com caminhoneiro, eu aumento o preço aqui, não tenho nada a ver com caminhoneiro’. Foi o que ele falou, o presidente da Petrobras. Isso vai ter uma consequência, obviamente”, disse Bolsonaro.
A Petrobras havia informado dois novos reajustes nos preços da gasolina e do diesel, que subiram 10,2% e 15,1%, respectivamente, a partir desta sexta (19). É o quarto reajuste da gasolina e o terceiro do diesel em 2021.Mais cedo, em visita-relâmpago a Pernambuco, o presidente reafirmou que faria mudanças.
“Anuncio que teremos mudança sim na Petrobras. Jamais vamos interferir nesta grande empresa e na sua política de preços, mas o povo não pode ser surpreendido com certos reajustes”, discursou.
As falas do mandatário tiveram efeito imediato no mercado, que as interpretou como sinal de ingerência política na companhia e um aceno a uma política de controle de preços. A Petrobras perdeu R$ 28,2 bilhões em valor de mercado nesta sexta.
Em uma rede social, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, um dos criadores do Plano Real, escreveu “Boa tarde Venezuela”.
Ao longo do dia, a equipe econômica tentou demover Bolsonaro de determinar a substituição de Castello Branco, visto por Guedes como um gestor eficiente que estava liderando um processo de recuperação da empresa. O ministro defendia que Castello Branco fosse reconduzido ao cargo.
Aliados de Guedes tentaram reduzir a pressão nesta sexta, contando que Bolsonaro poderia recuar da ideia a exemplo do que fez recentemente com o presidente do Banco do Brasil, André Brandão.
Após o anúncio da indicação de Silva e Luna, a agenda oficial de Bolsonaro foi atualizada e passou a apresentar reuniões, ocorridas durante a tarde, com os ministros Bento Albuquerque (Minas e Energia), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Fernando Azevedo (Defesa). Guedes não participou dos encontros.
Em outra frente, a orientação de Bolsonaro de isentar tributos federais do diesel e do gás de cozinha criou um impasse na equipe econômica, que ainda não sabe como compensar as perdas de arrecadação provocadas pela medida.
Segundo relatos feitos à reportagem, o nome de Silva e Luna foi sugerido pelos ministros da Casa Civil, Braga Neto, e de Minas e Energia, Bento Abulquerque, ambos militares.
A mudança no comando da empresa vinha sendo defendida pela cúpula militar, para a qual Bolsonaro precisa ter à frente da Petrobras um executivo mais afinado a ele. Castello Branco é criticado pelo núcleo fardado pelo perfil liberal.
Em entrevista à GloboNews, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que ao Executivo cabe indicar nomes para ocupar cargos nas estatais. “Eu não acredito em interferência de preços. Esse problema é um problema mundial. O preço do barril de petróleo é em dólar e é internacionalmente mantido”.
Na avaliação dele, a Petrobras não precisa fazer aumentos semanais de preços. “Ela pode fazer num diapasão maior”, disse. “Não cabe comentar indicação de ministros, indicação de presidentes de companhias. É atribuição do presidente da República, não do Congresso Nacional.”
Na quinta-feira (18), em reunião com um grupo de ministros, o presidente defendeu a saída de Castello Branco. Inicialmente, a estratégia era forçá-lo a pedir demissão. Como o executivo resistiu, o presidente decidiu se antecipar e sugerir um novo nome.
Na reunião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou demover Bolsonaro. Na companhia de Tarcísio Feitas (Infraestrutura), montou uma “operação abafa” para fazer o presidente mudar de ideia. O esforço, no entanto, não surtiu efeito.
Na reunião da quinta-feira (18), Bolsonaro manifestou insatisfação com o que chamou de falta de transparência e previsibilidade da empresa estatal.
Segundo assessores palacianos, o presidente defendeu no encontro que a empresa seja comandada por um nome que se importe menos com a reação do mercado financeiro e mais com o mercado consumidor.
Para ele, Castello Branco tem errado ao desconsiderar as reclamações dos caminhoneiros, que têm ameaçado deflagrar uma nova greve nacional por causa dos novos aumentos no preço do diesel.
Segundo relato, no encontro, Guedes se manifestou contrário a uma mudança e apontou ao presidente os efeitos negativos que ela provocaria no mercado, como a acusação de interferência indevida. Para fazer o presidente mudar de ideia, Tarcísio começou então a trabalhar em um plano para conter a ameaça de paralisação.
A unificação de todos os tributos do diesel seria uma das formas de reduzir a pressão diretamente sobre os preços ao evitar tributação em cascata.
Outra medida é a adoção em todo o território nacional de uma guia eletrônica de transporte que também acaba com encargos ao longo da cadeia do transporte. A chamada DTE (Documento de Transporte Eletrônico), hoje em teste no Espírito Santo, será nacionalizada por meio de uma medida provisória a ser editada nas próximas semanas.
Tarcísio também decidiu incorporar nas 11 novas concessões de rodovias previstas para este ano a obrigação de construção de áreas de descanso superequipadas com banheiros equipados e assistência médica, por exemplo. Seriam 50 ao todo em todo o território nacional.
Esta não é a primeira crise entre o presidente da República e o comando da estatal. Em 2019, a empresa chegou a recuar em um reajuste no preço do diesel após interferência de Bolsonaro. A iniciativa levou a estatal a perder R$ 32 bilhões em valor de mercado em apenas um dia.
Naquela ocasião, Castello Branco defendeu que uma nova paralisação de caminhoneiros provocaria prejuízos à economia. “Faz parte da minha atividade como administrador não só olhar para os retornos mas olhar para os riscos”, afirmou.
Recentemente, Bolsonaro vem travando uma batalha na área de combustíveis em diversas frentes. Além do anúncio repentino da isenção de tributos e da pressão pela saída de Castello Branco, ele também vem comprando briga com governadores.
Na última semana, o presidente enviou ao Congresso um projeto para mudar a forma de tributação estadual sobre combustíveis. A medida estabelece um valor fixo e único para o ICMS em todo o país. Hoje, cada estado define sua alíquota.
Silva e Luna foi ministro da Defesa entre fevereiro de 2018 até o final do mandato do ex-presidente Michel Temer. Ele foi o primeiro militar a chefiar a Defesa desde a criação da pasta, em 1999.
Em 2018, Silva e Luna agiu para atenuar a postagem no Twitter que o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, fez antes do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nela, Villas Bôas diz repudiar “a impunidade”.
O episódio foi revelado nesta segunda-feira (14) pelo jornal Folha de S.Paulo. Junto com o general da reserva Alberto Mendes Cardoso, Silva e Luna trabalhou para retirar menções que sugerissem intenções de interferência institucional aberta contra o Supremo. Sobrou a ameaça velada, que no livro “General Villas Bôas: Conversa com o comandante”, de Celso Castro, o ex-comandante diz ter sido “um alerta”.