O corpo de Sabrina Nominato Villela foi encontrado pelo marido na cama do casal com sinais que, segundo familiares, não foi suicídio
Há cinco meses sob investigação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), a morte da médica Sabrina Nominato Fernandes Villela, 37 anos, permanece cercada de mistérios. Inicialmente tratado pelas autoridades como suicídio, o inquérito conduzido pela 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) revela detalhes que, no mínimo, reduzem a possibilidade de que a cardiologista e intensivista tenha tirado a própria vida.
Contradições em depoimentos, indícios de violência doméstica, seguros de vida, corpo apresentando escoriações e duas costelas quebradas são alguns dos elementos que fazem a família da médica colocar o então marido dela, o personal trainer André Reis Villela, 41 anos, como suspeito. Para a PCDF, até o momento, oficialmente André Reis não é investigado pelo crime.
Recheado de perguntas que ainda precisam ser respondidas, o inquérito traz à tona depoimentos que demonstram uma relação supostamente abusiva entre Sabrina e o marido. Casados há seis anos, os dois viviam em uma propriedade alugada, no condomínio Mini Chácaras, no Altiplano Leste.
Sabrina foi encontrada morta pelo marido na cama do casal, na tarde de 10 de outubro do ano passado. Ela estava de bruços, com o rosto contra um dos travesseiros, em uma posição que provoca asfixia. Roxa e com o corpo enrijecido, estava coberta e já sem vida. Uma ambulância do Corpo de Bombeiros foi acionada pelo personal trainer. Logo em seguida, a equipe de socorristas confirmou o óbito. A Polícia Civil foi chamada pelo porteiro do condomínio somente no dia seguinte, por volta das 16h.
No decorrer da investigação, a PCDF ouviu amigos e parentes da cardiologista. Dois deles revelaram indícios de que Sabrina sofria agressões físicas e tinha dificuldades de se livrar do suposto relacionamento abusivo. Uma enfermeira ouvida em termo de declaração afirmou que, em agosto do ano passado, a profissional apareceu no trabalho com marcas no rosto semelhantes a unhadas. Na ocasião, Sabrina disse à amiga que havia sofrido um acidente no Uber.
Constantemente machucada, Sabrina teria passado a usar roupas com mangas para esconder os sinais de violência. A testemunha ressaltou que, em março de 2020, a cardiologista quebrou o braço, mas se recusou a dizer os motivos que provocaram a imobilização do membro. De acordo com a enfermeira, Sabrina tinha um comportamento alegre quando estava entre amigas e outro, totalmente subserviente, na presença do marido.
Em outro depoimento, uma advogada que teve contato com a médica durante um jantar contou à polícia que Sabrina a chamou para uma conversa reservada e pediu conselhos sobre como lidar com a violência física e psicológica. A profissional de saúde chegou a revelar ter comprado uma arma de fogo e passado a treinar em uma escola de tiro. A pistola ficava guardada no cofre de sua residência.
De acordo com a testemunha ouvida no inquérito, a médica teria tido que pretendia ir até a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) para registrar ocorrência de violência doméstica, mas acabou desistindo. Na mesma ocasião, Sabrina desabafou com a amiga dizendo que tentava se livrar do relacionamento abusivo e pretendia se “separar o mais rápido possível” do então marido.
O laudo produzido a partir do exame de necropsia feito no corpo de Sabrina apontou uma série de lesões, como duas costelas quebradas e várias escoriações no rosto e nos braços. Quatro dias após a morte dela, a PCDF pediu ao personal trainer que passasse por exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML), em razão de lesões apresentadas num dos braços.
De acordo com a advogada Sofia Coelho, que representa a família da cardiologista, existem pontos nebulosos na história, principalmente em relação ao depoimento prestado pelo marido da médica. “O André afirmou que teria deixado a residência por volta de 7h50 e teria chegado na academia por volta das 8h10, mas, na verdade, as câmeras o flagraram saindo às 8h23 do condomínio”, disse.
A advogada ainda contou que o próprio André admitiu brigas recorrentes com a esposa. “Ele narrou que teve discussão forte e áspera com a mulher dois meses antes da morte dela e que Sabrina gritava que estava sendo agredida na rua. Outro ponto confirmado por ele é que Sabrina nunca havia tentado suicídio ou falado sobre isso”, explicou.
O Metrópoles apurou que a cardiologista tinha um cofre em casa, no qual guardava joias, dólares e outros bens de valor. Além disso, era dona de dois veículos. Todo o patrimônio ficou com o personal trainer. Os advogados da família de Sabrina afirmaram que ela era detentora de duas apólices de seguro de vida com valores ainda não revelados.
Os defensores solicitaram que autoridades do caso peçam as quebras de sigilo fiscal, bancário e telefônico, tanto da cardiologista quanto do marido. Ainda faltam ser anexados ao inquérito os exames periciais feitos sobre as degravações de conversas travadas por meio do WhatsApp e e cópias de imagens gravadas na entrada e saída da academia onde André Villela trabalhava.
Os advogados também aguardam o resultado do exame de copo de delito ao qual o personal trainer se submeteu quatro dias após a morte da médica e o laudo de um recorte de tecido com manchas de sangue encontrado na casa de Sabrina. O exame de local produzido pelo Instituto de Criminalística, que é outra forma de obter provas, ainda não concluído.
Acompanhado de um advogado, o personal trainer prestou depoimento na delegacia horas após o corpo da cardiologista ter sido encontrado. Villela afirmou que, no dia anterior, o casal havia participado do aniversário de uma amiga, em um restaurante na QI 5 do Lago Sul, entre 14h e 19h. Em seguida, foram para um bar na 202 Sul, onde Sabrina teria ingerido muita bebida alcoólica.
No local, a médica teria passado mal por sofrer com a síndrome de Vasovagal, doença que consiste na perda transitória da consciência, provocada pela diminuição da pressão arterial e dos batimentos cardíacos. De acordo com o marido, ela teria deitado no chão e levantado as perna. Sentindo-se melhor, teria voltado a beber.
O marido relatou em depoimento que Sabrina fazia uso diário de remédios para dormir. A médica tomaria até cinco comprimidos de uma vez e, em função disso, chegava a urinar na cama com regularidade, o que o deixava irritado. O personal trainer contou aos policiais que a esposa apresentava sinais de depressão e já havia sofrido dois abortos espontâneos. Na mesma oitiva, ele disse nunca ter visto a mulher falar sobre tirar a própria vida.
A reportagem não conseguiu localizar André Reis por meio dos contatos disponíveis no inquérito policial. O espaço permanece aberto para eventuais manifestações.