Cantora morreu aos 26 anos em um acidente de avião. Entenda como ela virou ícone do feminejo, um sertanejo que cantava sofrência empoderada
Marília Mendonça virou ícone do feminejo, um sertanejo que cantava uma sofrência empoderada, em 2016. Antes, ela já era compositora de sucessos do sertanejo. A cantora morreu nesta sexta-feira (5), em um acidente aéreo em Minas Gerais.
Abaixo, o g1 lista cinco músicas para você entender por que a goiana Marília Dias Mendonça era uma das maiores cantoras e compositoras desta geração.
O primeiro grande sucesso de Marília é um bolerão sofrido. Em 2016, as cantoras do feminejo foram o melhor acontecimento da música pop brasileira.
Ela já era uma compositora requisitada, mas faltava um sucesso próprio e ele deu a cara à Marília intérprete: a voz era potente e os versos eram intensos.
A cantora, então com 21 anos, rimou “infiel” com “motel” e mostrou que é isso que o povo quer: letras mais diretas e mais sinceras. Um pop mais “gente como a gente”.
A música é um sertanejão com o balanço do arrocha e o bongô da bachata. É ao mesmo tempo tropical e romântica.
Marília sabia misturar elementos, mas dava unidade ao repertório com as letras (quase todas sofridas) e a voz muito encorpada.
O g1 mostrou trechos de "Ciumeira" para preparadores vocais e eles comentaram que era nítido como a cantora havia passado a controlar melhor a respiração depois de perder peso.
Eles também disseram que a emissão de Marília Mendonça era excelente: você pode gostar ou detestar, mas certamente entende cada palavra cantada por ela.
Além da parte vocal, "Ciumeira" tem um refrão irresistível, quase no nível de "Infiel". Só que se "Infiel" tinha aquela raiva da pessoa traída, esta canção de 2018 trazia uma história contada do ponto de vista da amante. E ela já sabia de tudo desde o início.
Marília mostra seu sofrimento intenso em "Todo Mundo Vai Sofrer", talvez a melhor canção do repertório dela. A música é uma bachata, o ritmo derivado do bolero que domina o sertanejo hoje com bongôs tristes e o insistente güira, um cilindro de metal.
Além da influência deste gênero latino, a estrutura da música é toda certinha, ecoando o sertanejo anos 90:
A parte em que descreve o bar faz lembrar o tal poema: "A garrafa precisa do copo / O copo precisa da mesa / A mesa precisa de mim / E eu preciso da cerveja". E o refrão também: "Quem eu quero, não me quer / Quem me quer, não vou querer / Ninguém vai sofrer sozinho / Todo mundo vai sofrer".
A letra é bem sacada, mas não é dela. A cantora estava compondo cada vez menos. No projeto “Todos os cantos”, que rendeu turnê e EPs, as 10 músicas não levavam a assinatura dela.
"Supera" é mais uma do projeto “Todos os cantos”. Ela canta de forma intensa e sem perder o controle. Mas não é sofrência pessoal - pelo contrário: é um pedido para a amiga parar de sofrer. É um safanão musical: "mulher, supera".
A música comprova a análise dos professores de canto em uma matéria recente do G1. Eles dizem que a voz de Marília está ainda mais potente e avaliam que ela passou a controlar melhor a respiração depois de perder peso.
A música é de cantor chamado Hugo Del Vecchio. É um paranaense que se mudou para Goiânia e está se firmando como compositor e cantor. O maior sucesso dele é em parceria com a Marília, “O que você viu em mim”.
“Supera” foi escrita por Hugo junto com os parceiros Henrique Moura, Luan Moura e Montenegro. Hugo já tinha até lançado a música com sua voz em 2018. Mas Marília muda a letra. Hugo cantava: “Você é forte, mulher, supera”. Ela trocou para "De mulher para mulher, supera”.
A versão original parecia um "mansplaining da sofrência" - uma explicação masculina condescendente a uma mulher sofrendo por amor. Ainda por cima, dava um sinal de que ele apenas queria ficar com a moça em questão. Já a versão da Marília é pura empatia feminina, e isso faz toda diferença: um feminejo ressignificado nota 10.
Depois de muito tempo sem compor, Marília escreveu uma música para o filho ("Música do Leo") e decidiu também falar de outros temas.
Em "Troca de calçada", uma sofrida balada sertaneja, ela versou sobre uma garota de programa que reconhecia um cliente, mas ele fingia que não sabia quem ela era e atravessava a rua na hora.
Marília era refém da personagem de sofredora que havia criado. Por isso ficou pelo menos três anos sem lançar músicas próprias sobre traições, bares e sofrimento. Só cantava novas letras dos outros.
"Cara, já pensou se eu lanço uma música que é uma composição minha, e de repente está escrito amante? E a galera fala: 'Olhaaa, Marília está sendo amante de alguém'", disse ela ao g1, em 2019.
"Compor menos tem muito a ver com exposição. Eu nunca falei sobre esse medo, mas ele existe muito. Às vezes, eu escrevo alguma história que é muito distante, que eu li em um livro."
Marília estava lendo "A individualidade numa época de incertezas", do filósofo polonês Zygmunt Bauman.