Um ano depois, acompanhada de um dos brasileiros acusados pelo crime, a moça foi à festa de aniversário do próprio Robinho na boate ChiMiAma
A mulher, que acusou o atacante Robinho de tê-la estuprado junto com outros cinco amigos, comemorava seu aniversário de 23 anos na noite do crime. De acordo com a sentença de primeira instância que condenou o atacante a nove anos de prisão, a vítima tinha ido à boate Sio Café, em Milão (Itália) com outras duas amigas para celebrar a data e confraternizar com os conhecidos brasileiros.
Em seu depoimento à justiça, a mulher afirmou que já conhecia pelo menos três de seus agressores. Ela tinha conhecido Robinho dois anos antes do crime, em 2011, em uma boate de Milão chamada Onda Anomala. Na ocasião, os dois dançaram, Robinho pôs a mão dela em seu abdômen e tentou “lamber seu seio”, de acordo trecho da sentença.
Um ano depois, acompanhada de um dos brasileiros acusados pelo crime, a moça foi à festa de aniversário do próprio Robinho na boate ChiMiAma. No ano seguinte, na madrugada de 23 de janeiro de 2013, um dia depois de completar 23 anos, e mulher foi ao Sio Café com as amigas, onde reencontrou o grupo.
Trecho da sentença, em tradução livre: “A garota junto com suas amigas […] foi a uma boate brasileira chamada Sio Café […] para comemorar seu aniversário. A garota tinha se juntado com um grupo de amigos brasileiros, conhecidos de uma de suas amigas.”
“A jovem havia combinado com [amigo de Robinho] com quem estava diretamente em contato; já o conhecia desde o ano anterior porque tinha ido com ele ao aniversário de Robinho, em fevereiro de 2012, no clube “ChiMiAma”. A garota já conhecia Falco, embora nunca tivesse visto os outros dois amigos.”
A mulher, que nasceu na Albânia e se mudou para a Itália com a família aos 14 anos, acabou se vendo sozinha com seis brasileiros no camarim de um sétimo, o músico Jairo Chagas. Quatro meses depois, ela foi à polícia denunciar que havia sido estuprada.
No processo, a vítima aparece como amiga próxima de pelo menos um dos condenados, Ricardo Falco. Em uma conversa interceptada pela investigação nove meses depois do crime, Falco diz a Robinho que ouviu da vítima que “ele era seu amigo e deveria tê-la ajudado”.
Robinho e seus advogados alegam sua inocência. O jogador admite que fez sexo oral com a mulher, mas afirma que a relação foi consensual. O julgamento em segunda instância está marcado para dezembro.
Além de Robinho e o amigo Ricardo Falco, que foram condenados, também foram acusados outros quatro brasileiros. Mas como eles não se encontravam em solo italiano durante as investigações e não puderam ser citados judicialmente, serão julgados em outro processo.
A reportagem doUOL Esporteesteve na cidade de Bergamo, a 56km de Milão, perto da cidade onde mora a vítima, e conversou com Jacopo Gnocchi, advogado da jovem albanesa. O escritório fica no quarto andar de um edifício comercial localizado em um pacato bairro bergamasco, próximo ao centro da cidade.
“Creio que tenha sido muito difícil para ela, psicologicamente, enfrentar toda a situação”, afirmou o advogado sobre a cliente, que prefere não dar entrevistas no momento. “Enquanto o processo não terminar, essa questão não será resolvida. Se tivermos uma condenação definitiva, para ela será uma espécie de libertação psicológica.”
UOL Esporte – Quem é essa garota?
Jacopo Gnocchi – É uma jovem mulher que foi vítima de violência sexual de grupo. Não tem mais nada que importe além disso. Ela sofreu uma violência.
Ela teve consequências psicológicas como crise de pânico ou medo de sair na rua, por exemplo?
Até onde sei e no que posso dizer, creio que tenha sido muito difícil, psicologicamente, enfrentar toda a situação. E enquanto o processo não terminar, essa questão não será resolvida. Isto é, acredito que se tivermos uma condenação definitiva, para ela será uma espécie de libertação psicológica. Caso eles sejam absolvidos, com certeza terá outro tipo de repercussão psicológica. Em todo caso, no final do processo, ela terá a certeza de ter feito o possível para se proteger e proteger outras mulheres que se encontram nessa mesma situação.
Por que ela esperou para fazer a denúncia?
Porque, psicologicamente, não conseguiu fazer antes. A denúncia foi feita no dia 31 de maio de 2013, cerca de quase três meses depois do crime. Quando ela se sentiu pronta, fizemos a denúncia. Mas como ela havia bebido, sua memória daquela noite era de ‘flashes’. Toda a história em si é carregada de momentos traumáticos, nos quais ela precisou reviver o drama. Já havia o trauma da violência em si, o impacto psicológico de superar o bloqueio para fazer a denúncia, a leitura das interceptações na audiência preliminar.
Ela leu o que aconteceu com ela naquela noite e que, em partes, não lembrava. Aquele momento teve um impacto muito forte. E também quando ela foi interrogada pela defesa de Robinho.
Era o aniversário dela?
[Gnocchi não responde a pergunta, mas suspira, concordando.]
Na sentença está escrito que eles mantiveram contato após aquela noite. Por quanto tempo eles conversaram?
Eles se contataram por pouco tempo, alguns dias após o episódio. Um desses contatos aconteceu no dia seguinte quando um dos acusados a procurou via Facebook e lhe telefonou. Ela respondeu que queria somente esquecer tudo. Como está na sentença, cinco meses depois houve outro contato com um dos acusados, no qual ela o avisou que havia feito a denúncia e dizendo que tinha ficado grávida, mas só para preocupá-lo.
Como a vítima chegou a você?
Era conhecida de um amigo.
E você teve uma atenção especial em relação a ela por ser amiga de um amigo?
Não, eu lhe dei uma atenção especial porque era uma mulher vítima de violência sexual.
Na sentença a juíza escreveu que não entende como uma dança sensual possa induzir a um consentimento antecipado para ter relações sexuais…
Em matéria de atos sexual não existe o consentimento implícito. O consentimento deve ser sempre explícito, sempre. É diferente da negação, já que uma pessoa pode não ser capaz de negar porque talvez tenha bebido ou se encontre sem chance de exprimir a negação. Nesse caso, não é possível pretender que ela diga não. Ou há o consentimento ou é violência. Ponto.
A situação reflete um pouco a sociedade em que vivemos. Existe a cultura do estupro?
Hoje existe uma maior sensibilização em relação à mulher vítima de violência. Mas se você for pensar, cerca de 20 anos atrás, esse tipo de crime era contra os bons costumes e não contra a pessoa, como é hoje. A condenação serve para ajudar a mudar essa realidade. Muitos comportamentos que não eram considerados crimes, com os anos, passaram a ser.
Caso venha a ser mantida a condenação em terceira instância, o senhor sabe que o Brasil não extradita brasileiros?
Sim, mas eu confio na Justiça brasileira. Caso a condenação seja confirmada pela Corte de Cassação [o equivalente ao STJ brasileiro], a Itália pode pedir que a pena seja cumprida no Brasil.
Pode dizer algo sobre os outros quatro denunciados? Como está o caso deles?
Este outro processo deverá começar, mas as coisas ficaram meio suspensas por causa do covid-19. Inclusive a audiência de dezembro [de segunda instância] deveria ter acontecido em maio, mas foi cancelada, visto que estávamos em quarentena. O que posso dizer ao certo é que eles já são acusados. O processo foi desmembrado do de Robinho e de Falco, porque [os quatro] não foram encontrados para receber a notificação do caso.
Posso falar com sua cliente?
Não. Até o final do processo ela não vai dar entrevista. Foi o que me disse uma hora atrás. Ela manteve esse posicionamento durante o processo de primeiro grau e após a publicação da sentença.