A Câmara de Vereadores de Luziânia (GO), município localizado a 130 quilômetros de Formosa, analisa um projeto de lei para proibir a distribuição do contraceptivo de emergência, também conhecido como pílula do dia seguinte, nos postos de saúde e hospitais da cidade. A argumentação é que a pílula seria um “método abortivo”. O medicamento, entretanto, é ofertado pelo próprio Ministério da Saúde, sem a necessidade de apresentação de receita médica, justamente para ampliar o acesso às mulheres.
Segundo o vereador Murilo Roriz (PSD), um dos autores da proposta, o projeto nasceu a partir da solicitação de um padre – ele, entretanto, não quis revelar o nome do religioso. O vereador Dioscler (PMN), presidente da comissão de saúde, que também assina o PL, defende a ideia: “Há vários médicos que dizem que a pílula é abortiva. Queremos proibir medicamentos com o princípio ativo levonorgestrel (presente nos medicamentos de segunda fase da pílula do dia seguinte), que além de tudo faz muito mal para a saúde das mulheres”, afirma.
Na primeira versão do PL, entendia-se a “pílula do dia seguinte” como um “abortivo“, apesar de a ação do medicamento ocorrer horas depois do coito, ou seja, antes da fecundação. Depois de uma emenda, o texto ficou mais claro e definiu o princípio ativo levonorgestrel como o alvo da proibição. O ginecologista Rogério Bonassi, presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), esclarece que a pílula não é considerada um abortivo.
“O mecanismo de anticoncepção de emergência atua impedindo a fecundação. Além de atrasar a liberação do óvulo, o medicamento afeta a capacidade de transporte do espermatozoide, bem como sua qualidade. É uma somatória de ações”, explica o médico.
Ele conta ainda que, se o óvulo já estiver fecundado, a pílula é inútil e não provoca aborto.
“Aqui no Brasil não temos pílula abortiva. E, em 2005, o Ministério da Saúde lançou uma cartilha explicando o funcionamento do anticoncepcional de emergência. O uso é mais do que consagrado na saúde pública”, aponta.
Outro princípio ativo a ser proibido, caso o projeto seja aprovado, é o misoprostol, usado para prevenir e tratar úlceras estomacais, induzir o parto e também como abortivo. No Brasil, a venda e distribuição do produto é proibida e o uso abortivo é apenas hospitalar para os casos previstos em lei.
Porta-voz da diocese de Luziânia, o padre João Paulo dos Santos Silva, negou que pedido para uma lei anti-pílula do dia seguinte tenha partido da Igreja Católica. “Se o pedido aconteceu, não foi oficial em nome da Igreja ou da diocese, e sim feito de maneira pessoal”. De toda forma, ele explica que a Igreja entende que a pílula é abortiva e a doutrina prega que a vida tem valor, não importa se em fase embrionária ou gestacional. “Há muitos médicos e estudos científicos que consideram o medicamento abortivo: não se trata de uma oposição entre fé e ciência”, afirma o religioso.
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