"Eu estou com vontade, não sei se eu vou fazer", afirmou o presidente enquanto falava com jornalistas na porta do Palácio da Alvorada
Na contramão das orientações do Ministério da Saúde, o presidente Jair Bolsonaro conclamou as pessoas a voltarem para as ruas para trabalhar e disse neste domingo (29) estar com “vontade” de fazer um decreto para liberar todas as atividades.
“Eu estou com vontade, não sei se eu vou fazer, de baixar um decreto amanhã: toda e qualquer profissão legalmente existente ou aquela que é voltada para a informalidade, se for necessária para levar o sustento para os seus filhos, para levar leite para seus filhos, para levar arroz e feijão para casa, vai poder trabalhar”, afirmou.
Questionado se o texto já estava em estudo, Bolsonaro afirmou que havia acabado de pensar nessa ideia, enquanto falava com jornalistas na porta do Palácio da Alvorada.
“Alguns querem que eu me cale. ‘Ah, siga os protocolos, quantas vezes o médico não segue o protocolo? Por que que ele não segue? Porque tem que tomar decisão naquele momento. Eu mesmo, quando fui operado em Juiz de Fora, se fosse seguir todos os protocolos, fazer todos os exames, morrido”, disse o presidente ao voltar ao Alvorada após fazer um giro pelo comércio do Distrito Federal.
Ele justificou sua ida a pontos de comércio local, como em Taguatinga e Ceilândia, cidades satélites da capital federal, como uma forma de “ouvir o povo” sobre os problemas do Brasil.
“Se eu não ouvir o cara falar que está na banana, como é que eu vou me sentir para poder agir?”, disse.
Para sustentar seu argumento de que o isolamento é prejudicial, Bolsonaro citou, sem apontar números, um aumento da violência doméstica.
“É só mostrar isso, tem mulher apanhando em casa. Por que isso? Em casa que falta pão todos brigam e ninguém tem razão. Como que acaba com isso? O cara quer trabalhar, meu Deus do céu, é crime agora isso?”
Ele falou ainda em “casos absurdos” como a detenção de pessoas que estavam passeando pela praia. Segundo o presidente, trata-se de um local “seguro” por ser aberto.
A orientação das autoridades e médicas é de desestimular que as pessoas frequentem locais públicos, como praias, parques e praças, para evitar aglomerações que favoreçam a disseminação do novo coronavírus.
A decisão de Bolsonaro de fazer um passeio pelo Hospital das Forças Armadas e comércios do DF foi tomada depois de ele ficar irritado com repercussão de notícias de que seus ministros estavam fazendo pressão para que ele amenize o tom sobre o novo coronavírus e siga as orientações do Ministério da Saúde.
O presidente ficou incomodado ao ler que estava sendo “enquadrado” por seus subordinados.
O tema foi levado ao presidente por um grupo de ministros no Alvorada em reunião no sábado (28). Em uma conversa tensa, partiu do próprio titular da Saúde, Henrique Mandetta, alertar o presidente sobre os riscos que o país pode enfrentar se houver uma normalização das atividades.
O presidente defende o isolamento vertical, ou seja, apenas de grupos de risco, enquanto a orientação do ministério é para o isolamento social de toda a população.
Na contramão disso, Bolsonaro voltou a afirmar que é preciso se preocupar com o vírus, mas que a questão do desemprego deve ser priorizada.
“‘Ah, você viu o que o governador falou? O que o vice falou? Não me interessa”, disse Bolsonaro, indicando que deve seguir destoando de outras autoridades, como os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, além de seu vice, general Hamilton Mourão.
O vice-presidente afirmou na última semana que a orientação é para o distanciamento social e manteve o tom em entrevista à Folha publicada neste domingo. Ele disse ainda que é necessário haver coordenação nas ações de combate ao coronavírus.
Em uma fala de 20 minutos, o presidente repetiu diversas vezes que não vai deixar de ir às ruas e que vê em seu papel, como chefe do Poder Executivo, o de prestação de um serviço.
“Se eu fosse perguntar para outros, que têm uma boa vida, se eu deveria ir para rua, seria quase uma unanimidade: não. Mas não existe isso, eu estou na linha de frente com os meus soldados. Sou um general, mas estou na linha de frente. Se precisar fazer de novo, farei. Estarei com a população junto para buscar a solução.”
Ao defender a volta das atividades, Bolsonaro disse que, por ele, a própria filha voltaria imediatamente às aulas. Ele se referia a Laura, 9, que mora com ele e com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, em Brasília.
O presidente colocou em xeque a defesa sobre o isolamento dizendo que nenhum estudo mostra que isso fará com que haja diminuição do número de casos no país.
“Ninguém está dizendo desses isolamentos ou quarentena, aí, horizontal, vertical, que tantas pessoas não serão infectadas. Ninguém fala de número, o número é o mesmo, só que alarga, alonga um pouquinho mais. Em vez de você ser infectado hoje, vai ser semana que vem ou daqui duas ou três semanas”, afirmou.
Cientistas de todo o mundo, líderes de Estado e até o ministro da Saúde defendem o isolamento social para que a curva de infecção cresça de forma mais lenta. Assim, evitando-se um pico muito alto de doentes, o sistema de saúde dos países teria mais capacidade de atender a população e, com isso, diminuir a letalidade da Covid-19.
Esse dado não foi mencionado pelo presidente. Em entrevistas recentes, Mandetta chegou a falar em “colapso” do sistema de saúde se houver um número muito elevado de infectados simultaneamente.
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