Docentes da Escola Estadual Céu Azul se reuniram em frente à instituição de ensino: “Perdemos um grande companheiro”, disse uma educadora
Um dia depois de um aluno entrar na Escola Estadual Céu Azul, em Valparaíso (GO), no Entorno do Distrito Federal, e matar a tiros o coordenador Júlio Cesar Barroso de Sousa, 41 anos, professores se reuniram em frente ao colégio para prestar homenagens à vítima e pedir mais segurança nos instituições de ensino da região. Muito emocionados e vestidos de preto, em sinal de luto, lembraram os últimos momentos do colega e o terror que passaram na tarde de terça-feira (30/04/2019).
A professora de artes visuais Maria Florência Benitez, 57, disse que foi uma das primeiras a ver o coordenador caído no chão, ensanguentado. “Estava entrando em sala para começar uma aula quando ouvi quatro disparos. Vi de longe o pé dele e achei que ele ainda estava vivo. Saí correndo e, quando entrei na sala dos professores, o Júlio estava agonizando”, contou.
A educadora disse que ficou ao lado do colega, segurou a mão dele e pediu para que não se mexesse. “A cena ficará marcada para sempre na minha cabeça. O Júlio César era um professor íntegro, sereno. Muito querido e reservado. Perdemos um grande companheiro”, destacou.
A coordenadora pedagógica Aline Arantes, 37, trabalhava lado a lado com a vítima. “Um cara tranquilo que jamais levantou a voz para alguém. Uma excelente pessoa. Ficamos muito surpresos. O aluno tinha um perfil intimidador, mas nunca pensamos que isso poderia acontecer aqui. Estamos muito abalados”, pontuou.
Aline clama por segurança. “Se tivéssemos, isso não teria ocorrido. Um aluno jamais pode entrar em uma escola armado. Queremos respeito. Temos medo. Nós nos sentimos ameaçados a todo momento. Até mesmo por isso não levamos em consideração o fato de o aluno ter sido ríspido com o Júlio. Isso nunca tinha ocorrido aqui. Temos uma clientela difícil, mas não imaginaríamos que chegaria a esse ponto”, salientou.
A professora Simonilva Alves Soares, 46, dá aula em outro município goiano, mas já ocupou o cargo de tutora, em 2018, no Colégio Estadual Céu Azul. “Ficava responsável por fazer os relatórios com as demandas, além de mediar os conflitos e solucionar os problemas na escola. O Júlio assumiu o meu lugar em agosto do ano passado, quando não aguentei e pedi para sair”, disse.
Conforme relato da docente, a outra diretora costumava dizer que a escola era uma “bomba-relógio”. “O Júlio veio de Águas Lindas de Goiás para dar continuidade ao meu trabalho e, infelizmente, não teve a mesma sorte que eu, acabou falecendo aqui. A segurança sempre foi frágil”, contou.
O acusado do homicídio é um aluno do 2º ano do ensino médio, de 17 anos, que entrou uniformizado, com um revólver na cintura, e executou a vítima, a sangue frio. Até a última atualização desta reportagem, ele não havia sido apreendido ainda.
No momento do crime, os estudantes saíam das salas para o intervalo. Houve pânico, corre-corre e gritaria. Muitos se esconderam dentro das salas de aula e chegaram a pensar que se tratava de um ataque como o de Suzano, em São Paulo. Outros deixaram o colégio pela porta principal, que fica ao lado de uma feira popular do município goiano, localizado a 35 km de Brasília.
Testemunhas contaram que o estudante teve uma discussão com uma professora na manhã de terça-feira (30/04/2019). Após saber que o garoto xingou a docente, o coordenador Júlio chamou a atenção do garoto – disse que ele seria transferido. O adolescente retrucou: “Isso não vai ficar assim. Você não sabe com quem está mexendo”.
Em seguida, deixou a escola. Voltou à tarde, armado. Como estava uniformizado, conseguiu entrar na instituição de ensino. Logo após, invadiu a sala dos professores e teve uma breve discussão com a vítima. Minutos depois, o estudante disparou contra o coordenador.
Segundo o delegado Rafael Abrão, titular do Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) de Valparaíso, o acusado não voltou para casa depois de sair da escola. Disse também que a mãe do estudante não tem notícias dele. Ainda segundo o investigador, o suspeito tinha uma passagem por roubo, em 2017.
O delegado informou que, primeiro, o atirador acertou a cintura de Júlio César, pelas costas. A vítima correu e caiu. Em seguida, levou um tiro na cabeça quando já estava no chão. À curta distância. Outros dois disparos foram feitos, mas não teriam atingido o educador.
“Desespero”
Um aluno do sétimo ano do ensino médio disse que estava no galpão ao lado da sala dos docentes na hora. “Bateu o sinal para a troca de professores. Eu estava na aula de educação física e ouvi os tiros.” Ainda de acordo com o rapaz, foram momentos de desespero. “A princípio, achei que era brincadeira, mas quando todos os professores correram para o galpão, vi que era sério”, relatou.
Outro aluno, do oitavo ano, diz ter visto o coordenador minutos antes do assassinato. “A gente estava na aula de matemática e ele passou para recolher nossos trabalhos. Gente boa, falava com todo mundo. Uma pena”, lamentou.
Na hora do crime, ele estava no portão da escola. “Ninguém sabia direito o que aconteceu. Foi só uma correria. Os alunos não têm acesso ao portão de trás, então era muita gente para uma saída.”
Ao ouvir os disparos, uma estudante disse ter alertado a professora que ainda estava em sala de aula. A docente teria achado que se tratava de bombinha. Quando saiu, deu de cara com uma cena chocante. O professor estava caído no chão. ensanguentado. Socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ainda tentaram reanimá-lo, em vão.
Por meio de nota, a Secretaria de Educação de Goiás informou que “uma equipe composta por psicólogo, assistentes sociais e integrantes da Superintendência de Segurança Escolar prestará apoio à comunidade e à família da vítima”.
Preocupação em todo o país
O caso ocorre pouco mais de um mês após o massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), quando dois ex-alunos assassinaram oito pessoas e se mataram em seguida.
Devido à tragédia, o Governo do Distrito Federal (GDF) decidiu, em 19 de março, reforçar a segurança nas escolas públicas, especialmente após uma série de ameças que unidades de ensino local passaram a receber.
Em reunião com os secretários de Educação, Rafael Parente, e de Segurança, Anderson Torres, e a comandante-geral da Polícia Militar, coronel Sheyla Sampaio, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decidiu aumentar o contingente policial nas unidades de ensino.
Além disso, serão intensificadas as rondas das equipes da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) em torno dos colégios.
Informações: Metrópoles