Padre Robson, religioso com status de celebridade, pároco da Basílica do Divino Pai Eterno, em Goiás, é apontado pelo MP como líder de uma organização criminosa
“Estamos falando de um império, de onde foram sacados por pessoas de confiança do padre mais de R$ 100 milhões em espécie de contas de associações religiosas e há indícios de crimes”. A afirmação é do promotor do Ministério Público (MP) de Goiás, Sandro Halfeld, um dos responsáveis pelo inquérito que investiga desvios milionários de doações de fiéis pelo padre Robson de Oliveira Pereira da Associação Filhos do Pai Eterno (Afipe), em Trindade, na região metropolitana de Goiânia.
As investigações recaem sobre a trajetória de um padre com status de celebridade entre os católicos e números superlativos: nas redes sociais são 4 milhões de seguidores. Todos os anos, o padre Robson comanda uma das maiores celebrações religiosas do país, a festa do Divino Pai Eterno, cuja romaria chega a reunir cerca de 3 milhões de pessoas em Trindade, onde nasceu e foi criado.
Hoje com 46 anos idade, ele entrou para o seminário aos 14 anos e, uma década depois, tornou-se sacerdote.
Para concluir sua formação, partiu para Itália, onde fez mestrado em teologia moral pela Academia Alfonsiana, em Roma. Voltou ao Brasil em 2003, quando assumiu a reitoria do santuário do Divino Pai Eterno e teve êxito ao conseguir que o Vaticano reconhecesse o local como basílica. E não só.
Como comunicador, ele criou a TV Pai Eterno. Como cantor, conseguiu emplacar seu disco entre os mais vendidos do país. Desde 2012, o religioso decidiu construir uma nova basílica da igreja católica — após oito anos, porém, os trabalhos ainda se arrastam e no local há um canteiro de obras ainda em fase inicial. As doações para erguer a catedral foram arrecadadas por meio das Associações dos Filhos do Pai Eterno, entidade civil em cujo estatuto o padre aparece como presidente vitalício.
A polícia de Goiás tem informação de que o Vaticano já tinha informações a respeito das denúncias contra o padre, antes mesmo das investigações no Brasil. Para o MP, as associações religiosas estão no centro de uma investigação que envolve suspeitas de crimes como apropriação indébita, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
O inquérito levou ao afastamento temporário do padre, que está impedido de realizar missas e celebrações, inclusive na TV. Os desdobramentos das investigações estão sendo acompanhados de perto pelo Vaticano.
Membro do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP, o promotor apura a existência de uma rede de laranjas que movimentariam números que classifica como “astronômicos”: quebras de sigilo fiscal e bancário encontraram R$ 2 bilhões de movimentação financeira nas contas das Afipes, na última década. No período, as retiradas em dinheiro vivo foram feitas por pessoas como Roane Carolina, diretora financeira da Afipe, entre outras pessoas, apontam relatórios do Coaf.
— A associação se formou em 2012 com objetivo da construção da basílica, que começa a receber doações, e num curto espaço de tempo se torna um império, que movimenta valores vultuosos. As Afipes tem muitas fazendas e atuam nos ramos de hotelaria, imobiliário e até de mineração — afirma o promotor, em entrevista ao GLOBO.
— Não teria problema se os investimentos fossem feitos pelas associações religiosas criadas pelo padre fossem feitos de forma correta. Mas o que percebemos é que há suspeita do uso de pessoas interpostas (laranjas) para figurarem como sócias de empresas que se relacionam com as associações religiosas criadas pelo padre e que fazem entre si operações de um grande volume de dinheiro — continua.
Numa dessas transações sob suspeita, Adriane Oliveira Pereira, uma das irmãs do padre Robson, recebeu R$ 400 mil em 22 de novembro de 2016. Naquele mesmo dia, um diretor da Afipe havia recebido em sua conta uma quantia idêntica e também de R$ 400 mil da própria associação.
Outro caso citado pelo promotor é o da doméstica Celestina Bueno, que ganhava R$ 1 mil entre 2011 e 2014, quando foi funcionária do Santuário do Divino Pai Eterno. Ela virou sócia de três rádios, que fizeram transações com as associações religiosas, e, segundo o MP, declarou em seu imposto de renda que recebera como dividendos R$ 4 milhões de umas das rádios.
“Descobrimos que essa senhora (Celestina) virou sócia de 3 rádios, sendo que uma delas recebeu mais de 90 milhões da associação religiosa do padre. É uma trama confusa. Mas vimos que essa mesma rádio vendeu uma casa de praia na Bahia para uma das associações religiosas. Houve ainda um avião que foi vendido por uma das rádios dessa senhora — afirma o promotor.
Para o MP, o dinheiro seria lavado por meio da compra e venda de bens, como casas de luxo, pelo menos sete fazendas — uma delas é avaliada em R$ 90 milhões — e até um avião, que custou R$ 2 milhões as Afipes. Na sexta-feira, a Operação Vendilhões do MP foi às ruas em Trindade, Goiânia e São Paulo. Foram cumpridos 16 mandados de busca nos endereços do padre e de associações religiosas civis. Numa mansão, que pertence à Afipe em Trindade, havia piscina aquecida e ofurô com hidromassagem.
No total, as associações religiosas fizeram cerca de 1.200 operações imobiliárias que estão sob escrutínio do MP.
Há ainda neste inquérito a apuração da existência de um núcleo político no suposto esquema.
“Um dos exemplos entre as negociações que levantaram suspeita foi a venda de 12 lotes de terrenos por R$ 70 mil por Bráulio Cabriny, irmão do vice prefeito de Trindade, Gleysson Cabriny de Almeida Costa, para a Afipe, em agosto de 2014. Ele havia comprado o mesmo lote por R$ 35 mil em julho de 2012. Bráulio Cabriny foi sócio de rádios que fizeram operações financeiras com as Associações religiosas presididas pelo padre”, afirma Halfeld.
O caso veio à tona por causa de uma denúncia feita pelo próprio padre em 2017, quando ele disse à polícia ter sido vítima de extorsão de R$ 2, 9 milhões por um hacker que o ameaçou com uma espécie de dossiê contra sua imagem. Na ocasião, ele pagou pelo menos R$ 1,2 milhão, sendo R$ 700 mil em espécie, ao estelionatário. Cinco pessoas foram presas no caso.
As entregas de dinheiro eram feitas por pessoas próximas ao padre. Os locais dos pagamentos eram o estacionamento de um shopping de Goiânia e uma casa num condomínio de luxo da cidade. Essas movimentações financeiras chamaram atenção do MP que investigou o padre por dois anos. Na segunda, a Arquidiocese de Goiânia afastou o religioso, que ficou impedido de realizar missas e celebrações em programas de TV e rádio.
O advogado Pedro Paulo de Medeiros, que representa a defesa do padre, nega irregularidades. Afirma que a Afipe é privada e segue a risca seu estatuto ao investir o dinheiro de doações na construção de igrejas, auxílio a asilos, compra rádios, TVs e também na construção da basílica. O advogado contestou a informação de que tenham sido feitos saques milionários em espécie da conta da associação. Afirmou que se tratava de pagamento de transações imobiliárias que eram feitas por meio de cheque, mas que o comando bancário emitido era de saque. Reiterou que o padre não é investigado formalmente, nem responde a processo criminal, mas é apenas suspeito no âmbito do inquérito.
Sobre o caso da doméstica que ganhava R$ 1 mil no Santurário e declarou R$ 4 milhões à receita de dividendos de uma rádio, o advogado negou qualquer irregularidade:
— A Afipe não poderia compra a concessão da rádio diretamente. leva 5 anos, em média, o período de latência, para poder transferir ao nome da associação. Nesse período, ela se voluntariou, assim como outros membros, para constar como sócia. Por isso ela recebeu R$ 4 milhões e depois repassou à Afipe. Hoje, a rádio já está no nome da Afipe.