618 mulheres foram entrevistadas e, além deste triste dado, outro chama bastante atenção: mais de 90% afirma já ter sofrido algum tipo de violência
Levantamento feito pelo instituto Goiás Pesquisas, em parceria com o Mais Goiás, mostra que houve aumento no percentual de mulheres que não formalizam denúncias contra os seus agressores no Estado. O índice, que era de 36,4% em 2008 e de 47,7% em 2019, chegou a 73,9% neste ano. O estudo ouviu ouviu 618 mulheres entre setembro e outubro deste ano, nas cidades de Goiânia, Aparecida, Senador Canedo e Trindade.
O instituto perguntou às mulheres que se identificaram como vítimas por que elas não delataram os seu algozes. A maioria (30,8%) disse ter medo das consequências. Outras 22,5% tomaram esta decisão para preservar a imagem do agressor; e 20,6% disseram não confiar na capacidade do poder público em resolver o problema delas.
Para o universo de 26,1% das mulheres que formalizaram denúncia, o instituto perguntou se receberam apoio para superar o problema. 10,7% disseram ter recebido apoio de amigos, mas que os amigos tiveram “compaixão pela vida social” do agressor.
6,5% das entrevistadas disseram que receberam apoio dos familiares, mas que os familiares defenderam o agressor. 5,2% das mulheres ouvidas receberam apoio insuficiente do poder público. 6,5% disseram ter recebido apoio de instituições religiosas, mas com a condição de não se divorciar do agressor.
Entre as 618 mulheres abordadas, 90,1% disseram que já sofreram ou conhecem alguém que sofreu qualquer tipo de violência. Apenas 9,9% responderam o contrário. O percentual de respostas afirmativas a esta pergunta é maior do que o registrado no ano passado: 83,3%.
A pesquisa também perguntou o que as mulheres entendem como violência. Para 61,2%, é agressão física. Para 13,14% é ofensa verbal ou moral. Para 10,8%, é manipulação psicológica e para 6,1%, obrigação sexual. 5,9% dizem que é a extorsão financeira e 2,6% não souberam responder.
O instituto perguntou às vítimas que tipo de violência elas haviam sofrido. 40,4% disseram que foi agressão física; 15,4% violência verbal ou moral; 12,4% violência sexual; 10% agressão psicológica; e 2,2% violência financeira. 9,7% das entrevistadas disseram que não foram vítima e não conhecem mulher que foi violentada.
As entrevistadas também foram abordadas sobre o que poderia ser feito para diminuir a violência contra as mulheres. 71,1% responderam que o poder público deveria se empenhar mais. 15,7% disseram que deveria haver pena de morte ou castração química nos casos de estupro.
Duas respostas chamam a atenção: 12,4% das entrevistadas defenderam mudança cultural e 0,8% responderam que as denúncias deveriam ser apuradas com cautela e profissionalismo para evitar que os homens sejam marginalizados.
O aspecto cultural, até hoje, é um fator que pesa muito na violência contra mulher. A defensora pública Gabriela Marques Rosa Hamdan explica como isso interfere no processo para confecção de denúncia.
Muitas mulheres não conhecem o tipo de violência a não ser a física. Além disso, pode ter a questão do desconhecimento de como funciona a lei Maria da Penha, que protege as vítimas de agressão. Por isso, cada vez mais, é importante a conscientização pois, se eu não sei o que tá acontecendo comigo ou eu não sei o que é uma violência psicológica, não vou saber quem eu devo procurar
Gabriela, que também é coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado (DPE), pontua que o que resolve a questão da vítima e da agressão não é a cadeia, mas sim o processo de informação e educação desde as primeiras gerações.
“A gente tem que investir na conscientização desde cedo. Tem que ir nos colégios, faculdades, eventos públicos, igrejas, enfim. Devemos utilizar todos os nossos espaços públicos para identificar quem está sofrendo uma violência e, a quem pratica, mostrar que está fazendo é um tipo de violência. Pois, assim como as mulheres, têm homens que acham que violência é apenas a agressão”, destaca.
Sobre a pesquisa mostrar que muitas mulheres não denunciam, mas sabem que sofreu algum tipo de violência, Gabriela conta que as vítimas, até mesmo por desconhecimento, se identificam com uma violência diferente da física quando a dinâmica dela lhe é apresentada. “Num primeiro momento, elas não se reconhecem, mas quando a ela é apresentadas situações diversas, a vítima acaba se identificando e é apresentada a tal violência que, para ela, é algo novo”, afirma a defensora.
Sobre as igrejas, Gabriela destaca que algumas instituições religiosas fazem uma interpretação equivocada do que está na Bíblia para impossibilitar o divórcio. Isso contribui para que a mulher se mantenha em uma relação que pode levá-la abalá-la e, em casos mais extremos, levá-la à morte.
Aqui eu já estou saindo do campo jurídico. Jesus não pregava a violência e ele não gostaria de ver uma mulher em um casamento sendo agredida e infeliz. Há mais um grave aspecto cultural que é a ideia que é responsabilidade da mulher manter o casamento. Em outros momentos, nem é maldade da igreja, mas o homem fala que vai mudar e o líder religioso acredita naquela palavra, mas a gente sabe que uma agressão não acaba com meras palavras. Isso aí já é o chamado do ciclo de violência
Ciclo de Violência foi um termo criado pela psicóloga norte-americana Lonore Walker em 1979. Ele passou a ser usado para identificar padrões abusivos em relações abusivos. O ciclo se divide em três fases:
“Devemos olhar para o ciclo e verificar se nos encaixamos em alguma etapa dele. Geralmente o relacionamento abusivo se inicia com algo muito sutil, com pequenas atitudes, por parte do agressor, como a demonstração de ciúme excessivo, controle de vestimenta, de companhias, entre outros”, pontua.
A pesquisa mostra que muitas mulheres ouvem diversas violências verbais e que isso faz parte da fase 1 do ciclo de violência. Veja algumas dessas frases: