Primeira série alemã da Netflix chega ao fim com o êxito de amarrar as muitas pontas soltas
Primeira série alemã da Netflix, Dark chega ao fim com o êxito de amarrar as muitas pontas soltas (Divulgação)
Já não era fácil lidar com tantas linhas do tempo. Agora, universos paralelos também são peças fundamentais no quebra-cabeça narrativo de “Dark”, a série famosa pelas tramas complicadas que atravessam várias gerações de quatro famílias da cidadezinha alemã de Winden.
A terceira e última temporada estreou neste sábado (27) na Netflix com a missão de dar respostas aos (muitos) mistérios envolvendo viagens temporais e aforismos existenciais despejados aos montes por figuras sinistras que povoam a história. E um desfecho digno aos (muitos) personagens — interpretados por atores diferentes, dependendo do século que habitam.
A boa notícia é que os criadores Baran bo Odar e Jantje Friese conseguem amarrar as pontas soltas ao longo dos oito episódios finais. Mas a despedida de Dark, primeira série alemã da Netflix, é mais cerebral do que nunca. Ou seja, ainda pode ser necessário pausar ou voltar algumas cenas para entender o que diabos está acontecendo. Se serve de consolo, até Louis Hofmann, intérprete do protagonista Jonas, ficou perdido.
— Para entrar no estado emocional do personagem antes de rodar cada cena, eu tinha que lembrar pelo quê ele tinha passado, cronologicamente, até chegar àquele ponto. Mas era confuso demais — admite o astro alemão de 23 anos, ao GLOBO. — Era prática comum voltar páginas do roteiro para entender alguma coisa, mas no fim acabava tirando minhas dúvidas com os produtores. Minha estratégia foi ignorar completamente a trama dos outros personagens e focar na minha, de maneira que ver a versão final de Dark, pra mim, é uma experiência tão bizarra quanto a dos fãs.
A nova temporada começa exatamente de onde terminou a anterior. Se ficção científica não é sua praia, este parágrafo pode deixar sua testa franzida. Pois bem: Adam (versão mais velha e desfigurada de Jonas) mata Martha, namorada do rapaz, segundos antes da explosão na usina de Winden. No maior estilo deus ex machina, uma Martha vinda de outro mundo surge a tempo de salvar Jonas (em sua versão adolescente) do apocalipse e teletransportá-lo para um universo paralelo onde o acidente nuclear ainda não aconteceu.
Lá, ele conhece Eva (versão mais velha da Martha do mundo alternativo), a antagonista que acredita ser possível romper o loop temporal causado pelas viagens no tempo e, assim, impedir o fim do mundo — crença oposta a de Adam, para quem a tragédia é inevitável e a única solução é destruir o mundo velho e criar um novo, um “paraíso” onde não existiria sofrimento para nenhum ser humano.
Como deu para notar, há uma referência bíblica aí: líderes de seitas rivais, Adam e Eva (ou Jonas e Martha) seriam os responsáveis pela origem e o caos de tudo. Ao longo de Dark, há também diálogos sobre teorias filosóficas, como o Paradoxo de Bootstrap e o Gato de Schrödinger — com direito a uma vídeo-aula didática no começo de um episódio explicando seus significados.
Mas “Dark” é menos sobre conceitos e mais sobre como os personagens lidam com eles. A possibilidade de viajar no tempo lhes permite, afinal, corrigir erros passados, evitar traumas e se livrar das culpas e dores que carregam no presente. Pelo menos em tese.
— O elemento ficção científica é, muitas vezes, utilizado em séries e filmes como a grande sacada, enquanto os temas humanos vêm em segundo plano. Não é caso de “Dark”, que é essencialmente uma história sobre personagens movidos por amor e dor, querendo, cada um à sua maneira, fazer o que consideram ser o melhor para o mundo. Por isso tanta gente se identifica — reflete Hofmann.
Na maioria das vezes, a boa fé dos personagens vai por água abaixo. Ou seja, não importa o quanto voltem e pulem no tempo, acabam encontrando o mesmo destino trágico do qual tentam escapar, o que abre questionamentos sobre livre arbítrio e a suposta existência de um Deus no comando das nossas ações. Dependendo de quem você consulta, a ideia de não termos controle sobre o destino pode ser tanto reconfortante quanto perturbadora.
— Para mim, é perturbadora — diz Hofmann. — Às vezes até penso na existência de uma força maior, que não necessariamente chamo de Deus ou destino. Mas jamais cogitaria não ter livre arbítrio, não ter poder sobre minhas escolhas. Caso contrário, eu seria infeliz.
A intenção dos criadores sempre foi fazer de “Dark” uma trilogia, o que significa que o final estava definido desde o começo. Isso permitiu que os produtores jogassem, ao longo das temporadas, pistas apontando para a conclusão. Como consequência, nos últimos três anos proliferaram na internet fóruns e grupos nos quais fãs discutem teorias exaustivamente. A maioria delas está errada.
— Só soube do final no meio das filmagens da terceira temporada. Eu… gostei? — diz Hofmann, assim mesmo, com entonação incerta. — O que eu quero dizer é que a solução não era esperada. Mas, em nome do elenco, posso afirmar que é satisfatória e emocionante. Ninguém se sentiu esquecido. Você assiste à última cena e pensa: “É isso. Tinha que ser assim.”