Em busca de uma saída que possa ter apoio político, uma das cartas na mesa é tentar retomar uma mudança no abono que já chegou a ser aprovada na Câmara, mas caiu no Senado
Para manter em pé a ideia de reformular o Bolsa Família, a equipe econômica estuda ajustes no plano e passou a avaliar uma proposta que limitaria os gastos com abono salarial, em vez de acabar com o programa.
Esse benefício é pago pelo governo a trabalhadores com carteira assinada e com renda mensal de até dois salários mínimos (R$ 2.090). Técnicos do Ministério da Economia defendem que parte desses recursos seja transferida à população mais pobre, viabilizando a criação do novo programa de renda básica, a ser chamado de Renda Brasil ou Renda Cidadã.
Em busca de uma saída que possa ter apoio político, uma das cartas na mesa é tentar retomar uma mudança no abono que já chegou a ser aprovada na Câmara, mas caiu no Senado.
Na reforma da Previdência, os deputados, por maioria, aceitaram que o abono salarial seja pago a trabalhadores formais com renda de até 1,4 salário mínimo (R$ 1.463). Assim, menos pessoas receberiam o benefício.
Isso reduziria os gastos em cerca de R$ 8 bilhões por ano. O orçamento anual do abono salarial fica por volta de R$ 20 bilhões.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) rejeitou, em agosto, a ideia do ministro Paulo Guedes (Economia) de acabar com o programa do abono. Segundo o presidente, isso seria tirar dinheiro dos pobres e dar para os paupérrimos.
Diante do impasse nesta semana sobre como reformular o Bolsa Família, o Ministério da Economia voltou a estudar uma forma de reduzir essa despesa. As discussões são no sentido de buscar uma alternativa intermediária, sem extinguir o abono salarial.
A sugestão de endurecer critérios para ter direito ao benefício também já foi apresentada a líderes do Congresso. O maior desafio seria no Senado, onde a proposta começaria a ser analisada.
Mudanças nas regras do abono salarial dependem de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), que exige apoio de 60% da Câmara e do Senado.
O governo reúne dados para tentar convencer os parlamentares de que o abono hoje beneficia mais estados ricos, onde o mercado de trabalho formal é mais consolidado. Mais de 90% de quem recebe o abono não está em família abaixo da linha da pobreza, ressaltam técnicos.
O Congresso, então, teria de optar entre manter o modelo atual do abono ou transferir parte desses recursos (R$ 8 bilhões por ano) para a população mais vulnerável.
Para 2021, o orçamento do Bolsa Família foi ampliado em relação a anos anteriores, mas ainda é limitado. A estimativa é que, com R$ 34,9 bilhões, cerca de 15,2 milhões de famílias sejam atendidas.
A verba, no entanto, não prevê a 13ª parcela prometida por Bolsonaro na campanha presidencial, nem um aumento substancial do benefício, atualmente na faixa de R$ 192 por mês para cada família, em média.
Uma ampliação de R$ 8 bilhões no Bolsa Família resultaria em um programa ainda longe do que deseja Bolsonaro. O presidente quer uma renda básica mensal de R$ 300 e ampliação da cobertura no número de famílias.
Uma alteração do critério de renda do abono salarial para um salário mínimo (R$ 1.045), em vez dos atuais dois salários mínimo, representaria uma economia de R$ 15 bilhões por ano, mas deve ser mais difícil de obter apoio no Congresso.
Por isso, técnicos buscam um cardápio mais amplo de medidas de corte de despesas.
A proposta de alterar o abono salarial para bancar o novo Bolsa Família tem um entrave orçamentário. A verba só deve livre em 2022, por causa do calendário de pagamento do benefício.
O plano do governo de lançar um programa social com a digital de Bolsonaro se arrasta desde o ano passado.
A principal dificuldade é achar espaço no Orçamento, que está limitado pela regra do teto de gastos (norma constitucional que impede o crescimento das despesas acima da inflação). Para ampliar o Bolsa Família, é necessário cortar de outro programa.
Nesta segunda-feira (28), o governo anunciou que o Renda Cidadã (ou Renda Brasil) seria viabilizado com a criação de uma trava ao pagamento de precatórios (dívidas do governo reconhecidas pela Justiça, envolvendo principalmente aposentadorias, benefícios sociais e despesas com servidores).
O anúncio foi feito pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC), que é relator do Orçamento de 2021 e da PEC que traria as diretrizes do novo programa social. Bittar quer dar o nome de Renda Cidadã, mas integrantes do governo defendem Renda Brasil.
Guedes interditou a ideia de vincular a redução na quitação de precatórios com a ampliação do Bolsa Família. Segundo ele, o novo programa social seria algo permanente e o limite ao pagamento de precatórios seria uma medida temporária.
Isso fez as discussões sobre o Renda Cidadã retrocederem. E o governo teve de reiniciar os estudos. A expectativa de líderes partidários é que a PEC seja apresentada na próxima semana.
Bittar espera se reunir com líderes nesta segunda (5) ou terça (6) para apresentar alternativas.
Auxiliares de Guedes, porém, dizem acreditar que a campanha e as eleições municipais, marcadas para novembro, podem atrasar as negociações por um acordo no Congresso.
No pacote de medidas anunciado nesta semana, também foi apresentada a ideia de usar recursos do Fundeb (fundo para a educação básica) para bancar o novo programa social.
Como a verba do fundo fica fora do teto de gastos, o mercado financeiro reagiu mal à proposta. A interpretação foi que o governo estaria flexibilizando a principal âncora fiscal do país.
Por isso, o relatório de Bittar não deve mais prever dinheiro do Fundeb para o Renda Cidadã.