Deixando de lado o alarmismo e as brincadeiras na Internet, o fato é que, sim, nosso país já foi atingido por um tsunami, confira
Nos últimos dias, um pânico desproporcional tomou conta dos noticiários brasileiros em razão de um possível tsunami que atingiria nossa costa nordeste em consequência da erupção explosiva do vulcão espanhol Cumbre Vieja. E, claro, as redes sociais não perdoaram. Afinal, por aqui, tudo, absolutamente tudo, vira meme.
Deixando de lado o alarmismo e as brincadeiras na Internet, o fato é que, sim, nosso país já foi atingido por um tsunami. Mas, isso foi há muito tempo. Em 1º de novembro, irá completar 266 anos desse evento, ocorrido em 1755. E ele também foi ocasionado por um fenômeno europeu: um terremoto que sacudiu Lisboa, o mais forte já registrado no continente, segundo pesquisadores.
No ano passado, na ocasião do 265º aniversário do tsunami no Brasil, a Rede Sismográfica Brasileira divulgou um vídeo no Twitter sobre o assunto, abordado pelo professor aposentado do Instituto de Geociências e ex-chefe do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília, José Alberto Vivas Veloso.
#TsunamiNoBrasil 🌊
— Rede Sismográfica Brasileira (@SismologiaBR) November 1, 2020
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No dia 1o de novembro de 1755, um #tsunami atingiu o litoral do Nordeste brasileiro, destruindo habitações modestas e desaparecendo com duas pessoas. O #maremoto nasceu do #TerremotodeLisboa, que hoje cumpre o seu 265 aniversário. pic.twitter.com/RLTW53NfpL
“Ele penetrou terra adentro, destruiu habitações modestas e desapareceu com duas pessoas”, disse Veloso. “Isso é desconhecido da maioria dos brasileiros.
Segundo Veloso, o terremoto de 1755 teve magnitude de 8,7, destruindo Lisboa, além de grande parte do sul da Espanha e do Marrocos.
Em consequência, não apenas o Brasil, mas a Irlanda e as ilhas do Caribe foram atingidas por um enorme tsunami, cujo número de vítimas é difícil de precisar pela carência de registros, mas as menores estimativas estão entre 20 mil e 30 mil óbitos, enquanto as maiores falam em 100 mil.
De acordo com reportagem do G1, cartas da época testemunham o ocorrido. Elas fazem parte de um trabalho liderado pelo professor Francisco Dourado do Centro de Pesquisas e Estudos sobre Desastres (Cepedes), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), feito com base em um levantamento realizado pelo professor Veloso, que é autor do livro “Tremeu a Europa e o Brasil também”.
As correspondências, que estão no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, foram escritas pelo arcebispo da Bahia, pelos governadores de Pernambuco e da Paraíba e por um militar brasileiro.
“As águas transcenderam os seus limites e fizeram fugir os habitantes das praias”, diz uma carta datada de 10 de maio de 1756, relatando o episódio acontecido no ano anterior nas praias da Paraíba.
Em outra, de 4 de março de 1756, o emitente diz: “Em Lucena e Tamandaré, a enchente do terremoto entrou pela terra adentro coisa de uma légua (4 a 5 km) terra adentro [sic] e levou algumas casas de palhoça e falta um rapaz e uma mulher”.
Segundo a pesquisa da Uerj, na região da praia de Lucena, na Paraíba, as ondas variaram entre 1,8 e 1,7 metros de altura. Já na região pernambucana de Tamandaré, as ondas atingiram de 1,9 a 1,8 metros, com grande volume de água.
De acordo com Veloso, cinco episódios históricos são denominados “manifestações marinhas incomuns” no litoral brasileiro: em São Vicente (SP) em 1541, em Salvador em 1666, em Cananeia (SP) em 1789, na Baía de Todos os Santos (BA) em 1919 e no Arquipélago de São Pedro e São Paulo (no litoral de PE) em 2006.
Em todos esses casos, o mar estaria extremamente violento ou havia ressaca forte. No entanto, três desses fenômenos não foram precedidos por nenhum tipo de abalo sísmico ou erupção vulcânica, o que descaracteriza a ocorrência como um tsunami. Apenas os episódios de Cananeia e da Baía de Todos os Santos tiveram sua origem em terremotos — mas com magnitudes relativamente baixas.
“Identificou-se um tremor que gerou ondas parecidas com um pequeno tsunami. Apesar de modesto o caso é significativo, pois se está validando um ‘minitsunami’ brasileiro”, afirma o professor.
Como o caso de 1755 foi em decorrência de um terremoto, ele pode ser classificado como tsunami.
Em relação a uma possível ocorrência de um grande tsunami, como os ocorridos no Japão e na Indonésia, o professor diz que o Brasil não tem com o que se preocupar. “Não há por que temer, em nosso litoral, o aparecimento de tsunamis com a grandeza e o mecanismo sísmico similares aos dos acontecidos no Japão em 2011, ou na Indonésia em 2004”.