Saída da corporação de Jéssica Paulo do Nascimento, de 28 anos, foi publicada nesta quarta-feira (26)
Ex-soldado Jéssica denuncia superior por assédio sexual, ameaças de morte e de estupro — Foto: G1 Santos
A soldado Jéssica Paulo do Nascimento, de 28 anos, que denunciou um tenente-coronel por assédio sexual e ameaças de morte, decidiu deixar a carreira na Polícia Militar e foi exonerada nesta quarta-feira (26). Ela afirma que tomou a decisão após sofrer pressão dentro da corporação devido à repercussão do caso.
Jéssica estava lotada no 45° Batalhão da Polícia Militar do Interior (BPM/I), em Praia Grande, no litoral de São Paulo, mas a denúncia se refere à época que ela atuava na capital paulista. O G1 tentou contato com o tenente-coronel Cássio Novaes, denunciado pelos crimes, mas não obteve retorno. O oficial foi afastado do comando do batalhão onde atuava e a investigação é conduzida pela Corregedoria da PM, sob segredo de Justiça.
Em entrevista nesta quarta-feira, a ex-soldado contou que tomou a decisão de deixar a corporação ao ser pressionada no serviço. "Pensei que denunciando eu teria alguma paz, mas foi diferente. Sofri uma pressão muito difícil", diz.
Entre os episódios que classifica como perseguição está o desarmamento dela, escalas de trabalho na rua à noite, mesmo denunciando ameaças de morte, negativa para pedidos de transferência e chantagem com as férias ao qual ela teria direito. Ela afirma que foi avisada que poderia tirar férias "depois que pedisse baixa".
"Foi uma decisão difícil. Eu saí do meu estado, Rio de Janeiro, para realizar esse sonho em São Paulo. Logo agora que tomei coragem para expor o que passava, não tive mais paz", desabafa a ex-soldado após ser exonerada.
Jéssica diz que tentou, no último mês, afastamento por abalo psicológico, mas foi informada pelo médico da PM que ele "só lhe daria alguns dias se o comandante dela autorizasse". Além disso, ela afirma que respondeu a pelo menos quatro advertências por dar entrevistas públicas sobre a denúncia de assédio sexual e ameaças de morte.
Segundo ela, deixar a corporação foi difícil, mas foi a "melhor decisão a ser tomada". "Saio com ótimo comportamento, não respondendo a processos. Se eu ficasse, eu iria tomar advertência atrás de advertência e seria expulsa, manchando minha reputação", afirma.
A ex-soldado afirma, ainda, que tem provas em áudio e texto de todas as suas afirmações e justificativas para ter deixado a corporação nesta quarta. Jéssica conta que irá usá-las para entrar com uma ação judicial contra o Estado em breve.
As investidas pessoais do tenente-coronel à soldado Jéssica começaram em 2018, segundo ela. Ele havia acabado de assumir o comando do Batalhão da Zona Sul de São Paulo, quando passou pelas companhias para se apresentar aos policiais militares e a conheceu, chamando-a para sair assim que conseguiu ficar a sós com ela.
"Em um momento em que a gente ficou um pouco sozinho, ele assim veio em uma total liberdade, uma intimidade. Mas a gente nunca tinha se visto, né? E me chamou para sair na cara dura", relembra.
Ela disse ao superior que era casada e tinha filhos, recusando o convite. "Depois desse dia, minha vida virou um inferno", desabafa. A soldado relata episódios de investidas sexuais, principalmente, por mensagens, ameaças por áudio, humilhação em frente aos seus colegas e até mesmo sabotagem quando se recusou a ceder aos pedidos do superior.
Ela ficou dois anos e meio afastada do serviço para evitar contato com ele. No entanto, a licença acabou em março e ela precisou voltar ao trabalho. Ele conseguiu o telefone dela e as investidas recomeçaram, segundo ela, cada vez mais insistentes. O comandante prometia sustentar os filhos da soldado, dar uma promoção para ela dentro da corporação e a transferência que ela queria para o litoral paulista.
"Eu pensei que precisava de provas, porque ele sempre ia fazer isso e ninguém ia acreditar. Entrei em contato com um advogado e ele me orientou a ver até onde ele iria, deixando ele falar", conta. "Foram coisas muito baixas. Me ameaçou de estupro e de morte."
As ameaças de morte vieram, também, por áudios. Em uma das falas, o comandante afirma que "não existe segredo entre dois, um tem que morrer" e "quem não tem problema na vida, está no cemitério".
A soldado decidiu formalizar uma denúncia na Corregedoria da PM no início de abril, quando percebeu que estava sendo enganada pelo tenente-coronel. Ele havia prometido que a levaria ao Departamento Pessoal para pedir pela transferência dela quando, na verdade, o DP estava fechado e ele planejava levá-la a um hotel.
O advogado de defesa da soldado, Sidnei Henrique, informou que solicitou medidas protetivas para ela e a família à Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, que foram negadas. Além disso, ele também pleiteou um pedido de prisão preventiva do militar e a suspensão do porte e posse de arma dele.
Procurada pelo G1, a Polícia Militar disse, por nota, que recebeu a denúncia e imediatamente instaurou um inquérito policial militar para apurar rigorosamente os fatos. O oficial foi afastado do comando do batalhão e a investigação é conduzida pela Corregedoria da Polícia Militar. Segundo a corporação, todos os fatos são sigilosos, conforme prevê a legislação.
Disse, ainda, que o pedido de exoneração é de autonomia exclusiva de um policial militar e dentro dos trâmites administrativos legais. Sobre as advertências, a corporação informou que quaisquer punições administrativas, quando aplicadas, seguem o rito legal e o direito constituído à ampla defesa preceituado no Regulamento Disciplinar da Policia Militar (RDPM).
Ainda, sobre seu pedido de afastamento médico quando ainda atuava como soldado, a PM afirmou que afastamentos médicos seguem critérios profissionais e são elencados sob o crivo dos Conselhos de Medicina.