Entre janeiro e fevereiro, o Brasil ficou como acelerado no monitor da Folha por 24 dias seguidos
Ainda que continue num dos patamares mais elevados do mundo, o volume de novos casos e de óbitos por Covid-19 parou de crescer no Brasil nas últimas semanas.
Desde o último dia 7, o país está no estágio estável no Monitor da Aceleração da Covid-19, da Folha de S.Paulo, que considera o volume de contaminações nos últimos 30 dias, com mais peso para o período mais recente.
Esse patamar significa que houve estabilização do crescimento de novos casos, ainda que siga em patamares elevados, de acordo com o modelo desenvolvido por especialistas da USP. Até o início do mês, o Brasil estava no nível acelerado, o que significa aumento rápido de novas contaminações.
O Brasil tem registrado agora 67 mil novos casos por dia, considerando a média móvel de sete dias, volume que se mantém desde meados de março.
Nos meses anteriores, esse número vinha crescendo rapidamente. Em 8 de janeiro, por exemplo, houve acréscimo de 10 mil novos casos apenas nesse dia (considerando a média dos seis dias anteriores).
O país não faz testagem ou sequenciamento genético suficientes para se identificar exatamente a razão da explosão. Epidemiologistas dizem que algumas das causas podem ter sido a diminuição do isolamento social durante as festas de fim de ano e o espalhamento da variante P.1, identificada primeiramente em Manaus.
Entre janeiro e fevereiro, o Brasil ficou como acelerado no monitor da Folha por 24 dias seguidos; chegou a entrar em estável, mas depois voltou a ficar acelerado entre 7 de março e 7 de abril, quando passou a estável.
Oito unidades da Federação saíram de acelerado para estável nas últimas duas semanas (AC, AL, AP, DF, GO, MS, RO, TO). Dois estados, Amazonas e Paraná, estão no patamar desacelerado, com ritmo de novos casos em queda.
Entre as capitais, Belém, Brasília e Goiânia deixaram o estágio acelerado e foram para o estável. São Paulo e Rio, as duas maiores, seguem como acelerado.
Entre os paulistas, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Campinas deixaram o acelerado.
Em relação aos óbitos, houve crescimento forte no país entre 21 de fevereiro e 1º de abril, quando o número de novas mortes diárias subiu de 1.038 para 3.118 (média móvel). Em março, estados e prefeituras aumentaram as medidas de restrição de circulação. Desde o começo deste mês, o número fica na casa dos 3.000.
Os dados foram contabilizados na sexta (16) -aos fins de semana tende a haver queda artificial no registro de mortes e de casos, devido a esquemas reduzidos de profissionais nas Secretarias de Saúde que coletam as informações.
Pesquisador em saúde pública da Fiocruz e coordenador do InfoGripe, Marcelo Gomes afirma que a situação não pode ser vista como de tranquilidade, dado que o patamar segue alto. Ele também destaca que o sistema hospitalar ainda está sobrecarregado e terá dificuldades de absorver novas subidas (e mal consegue atender a situação atual).
Segundo especialistas, as medidas restritivas que vem sendo aplicadas com diferentes intensidades pelo país são as principais responsáveis pela estabilização dos casos.
Além disso, o avanço da vacinação em idades mais avançadas também pode ter alguma contribuição, afirma Ethel Maciel, epidemiologista e professora na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Os profissionais de saúde foram outro público já amplamente vacinado no país.
UTIs de 17 capitais brasileiras e o Distrito Federal estavam semana passada com mais de 90% da ocupação -no começo do mês eram 21.
A desaceleração atual de infecções e de óbitos não é suficiente para tirar o Brasil da relação de países em que a pandemia está mais grave atualmente.
O Brasil tem o terceiro maior número de novos casos e a maior quantidade de novas mortes entre as 30 nações mais populosas do mundo. A Índia é a que possui hoje o maior número de novos casos, seguida dos Estados Unidos.
Todos os estados do Sudeste brasileiro, região mais populosa do país, estão no estágio acelerado de novos casos. Mesmo assim, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou na sexta (16) distensão nas medidas de isolamento social, liberando a reabertura de parte do comércio e liberação de cultos.
No Rio, o governador, Cláudio Castro (PSC), permitiu desde o início do mês a abertura de shoppings e de restaurantes e bares até as 21h.
Os especialistas ouvidos pela Folha se dizem preocupados com a flexibilização de medidas de restrição de circulação.
O temor é que, com isso, a situação dramática atual continue sem ceder.
Outra possibilidade é que as contaminações voltem a crescer, o que somado a um sistema de saúde já saturado -inclusive com escassez de remédios para intubação- pode tornar o quadro futuro tão ou ainda mais letal que o atual.
“Precisamos fazer alguma coisa para diminuir a transmissão, mas enquanto isso não for suficiente para desafogar o sistema não dá para pensar em diminuir restrição”, afirma Gomes, pesquisador da Fiocruz, que classifica como inaceitável o patamar de mortes atual.
Segundo o pesquisador, o momento crítico atual se originou em erros ainda no ano passado, quando a situação não foi controlada. Em um contexto com menos casos ativos, fechamentos de atividades poderiam ser mais curtos e, ao mesmo tempo, mais efetivos. No cenário atual do país, é necessário um período restritivo maior pelo grande quantidade de infecções.
“Nós nos colocamos na situação em que estamos. O remédio sabemos qual é”, diz Gomes, defendendo medidas mais duras de restrição. “É amargo, mas não fazer também é.”
Uma dificuldade para se adotar essas medidas restritivas é a oposição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), aliado ao desemprego alto e dificuldade financeira dos empresários.
Maciel diz que as medidas de restrição usadas até o momento podem não ter sido suficientes para ter impacto considerável na curva de casos e que a situação se torna ainda mais complexa considerando a variante P.1.
“Se estivéssemos conseguindo vacinar muito rápido, até poderíamos pensar em flexibilização”, diz Maciel.
Apesar do elevado número total de doses de vacina contra a Covid aplicadas, o Brasil tem sofrido, como outros países, flutuações importantes no número de imunizantes disponíveis e na velocidade de aplicação, inclusive com paralisações no uso de primeiras doses por falta de vacina.
Rosana Richtmann, médica infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, afirma ser necessária a flexibilização das restrições, mas mantida atenção e cautela.
“Estou comemorando a estabilidade de novos casos, mas tenho medo. Tenho muito receio de como as pessoas vão interpretar isso”, afirma a especialista.
Segundo ela, existe o risco da população entender que a situação está sob controle e diminuir ainda mais os cuidados contra a doença.
Por fim, Gomes ainda ressalta outro risco de permanecer nos altíssimos patamares atuais. O descontrole da pandemia, com dezenas de milhares de casos por dia, é um cenário fértil, uma “bomba-relógio”, segundo o pesquisador, para o surgimento de novas variantes, com risco inclusive de mutações que levam ao escape vacinal.
Os especialistas alertam que a população deve ter calma e paciência, porque a pandemia ainda está longe de acabar.
O monitor da Folha tem como base um modelo estatístico desenvolvido por Renato Vicente, professor do Instituto de Matemática da USP e membro do coletivo Covid Radar, e por Rodrigo Veiga, doutorando em física pela USP.
A situação em cada local avaliado recebe uma classificação. Há cinco possibilidades: inicial, acelerado, estável, desacelerado e reduzido.
A fase inicial é aquela em que surgem os primeiros doentes. O Brasil já não tem nenhuma cidade com mais de 100 mil habitantes nessa situação.
A etapa acelerada é aquela em que há aumento rápido do número de novos casos. Na estável, ainda há número significativo de pessoas sendo infectadas, mas a quantidade de novos casos é constante.
Quando o número de novos casos cai ao longo do tempo de maneira considerável, tem-se a fase de desaceleração. Já na etapa reduzida há poucos casos novos (ou nenhum), levando em consideração o histórico da epidemia naquele lugar.