Apesar disso, presidente Jair Bolsonaro defendeu na quinta (14) baixar taxa da bandeira tarifária. Especialistas avaliam que cobrança mais cara deve continuar
Os reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, que respondem por mais da metade do potencial de geração de energia do país, registram atualmente o mais baixo armazenamento médio de água para esta época do ano desde 2000, quando teve início a série histórica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Na quinta-feira (14), o armazenamento médio nesses reservatórios era de 16,86%. Esse índice é inferior inclusive ao registado na mesma data de 2001 (21,4%), quando vigorava um racionamento de energia no país.
Também na quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a normalização da cobrança da bandeira tarifária nas contas de luz dos consumidores brasileiros.
Ele afirmou que voltou a chover no país, o que ajuda na recuperação dos reservatórios, e que por isso determinará ao ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, que, para novembro, mude a bandeira para "normal".
Hoje vigora a bandeira de "escassez hídrica", a mais cara, anunciada em agosto e que adiciona R$ 14,20 às faturas para cada 100 kW/h consumidos. Se a bandeira voltasse, por exemplo, para o patamar 2 da vermelha, a segunda mais cara, a cobrança cairia para R$ 9,49 por 100 kWh consumidos.
O ministro, entretanto, não tem poder para alterar a bandeira tarifária. Essa responsabilidade é da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Um ex-diretor da Aneel e a associação das distribuidoras de energia, ouvidos pelo g1, defenderam a manutenção da bandeira "escassez hídrica". Eles apontam que os recursos são necessários para cobrir os custos mais altos de produção de energia no país e que a redução da taxa extra pode levar a aumento de consumo num momento em que a crise no setor elétrico ainda não foi solucionada (leia mais abaixo).
Um dia antes da declaração de Bolsonaro, a secretária-executiva do Ministério de Minas e Energia, Marisete Pereira, afirmou que a bandeira "escassez hídrica", em vigor, não arrecadará o suficiente para cobrir o aumento de custos no setor elétrico neste ano e que a pasta estuda uma solução para esse buraco.
Além de sinalizar, por meio das cores, quando o custo da produção de energia no Brasil sobe, a bandeira tarifária tem a função de arrecadar, por meio de cobrança extra nas contas de luz, recursos que são usados para pagar pelo uso mais intenso de termelétricas, usinas que geram energia mais cara que as hidrelétricas. É o que ocorre atualmente.
Antes da criação do sistema de bandeiras tarifárias, as distribuidoras de energia cobriam, num primeiro momento, os gastos extras com termelétricas. Esse custo, porém, era repassado aos consumidores, com juros, no ano seguinte.
Em 2014, quando país viveu um cenário parecido com o atual, de escassez de chuvas e baixo nível nos reservatórios de hidrelétricas, as distribuidoras não conseguiram cobrir os custos, bilionários, do uso mais intenso de termelétricas.
Ao invés de aumentar a arrecadação, na época o governo optou por fazer um empréstimo junto a um grupo de bancos para pagar, num primeiro momento, pelo uso de térmicas. Esse empréstimo foi repassado ao longo dos anos seguintes, em parcelas, às contas de luz.
Em 2015, a Aneel informou que o empréstimo custaria R$ 34 bilhões aos consumidores. Desse total, R$ 12,8 bilhões se referiam a juros.
O ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana disse que discorda da avaliação feita por Bolsonaro e defendeu a manutenção da bandeira tarifária com cobrança mais alta.
Ele avaliou que a bandeira mais cara tem um custo alto para a sociedade mas é necessária também para evitar um aumento no consumo de energia nesse momento, que poderia causar uma crise maior no setor elétrico.
“A consequência disso [aumento do consumo de energia] é alongar a crise ou, quem sabe, aprofundar os efeitos dela até porque a perspectiva para o ano que vem é de chuva ainda abaixo da média”, disse Santana.
De acordo com ele, "não há ainda sinal concreto de que os problemas", como apagões e um novo racionamento, "não acontecerão nos próximos meses."
O presidente da Abradee, associação que representa as distribuidoras, Marcos Madureira, também defendeu a manutenção da cobrança mais alta da bandeira tarifária.
Ele apontou que o conjunto de medidas que vêm sendo adotadas pelo governo para garantir o atendimento da demanda por energia no Brasil, além da disparada no preço de combustíveis como diesel e gás natural, que são usados em boa parte das termelétricas brasileiras, levam ao aumento de custos do setor que precisa ser coberto.
"Nesse momento, nós entendemos a importância da bandeira, a importância da permanência de uma bandeira que procura trazer um recurso adicional para pagamento das contas de geração de energia, que estão mais elevadas em função dessas medidas necessárias para o enfrentamento desse cenário de escassez hídrica", disse.