Vítima de estupro no começo do ano, a menina descobriu estar com 22 semanas de gravidez ao ser encaminhada a um hospital de Florianópolis
Uma menina de 11 anos está sendo mantida pela Justiça em um abrigo de Santa Catarina para evitar que faça um aborto autorizado.
Vítima de estupro no começo do ano, a menina descobriu estar com 22 semanas de gravidez ao ser encaminhada a um hospital de Florianópolis, onde teve o procedimento para interromper a gestação negado.
A juíza também pergunta à criança se ela quer escolher um nome para o bebê e se ela quer um presente de aniversário.
No Brasil, aborto por estupro não é crime e pode ser feito em hospital sem autorização judicial.
O caso foi revelado pelo site The Intercept Brasil nesta segunda-feira (20).
Veja o vídeo acima da audiência com a menina estuprada.
Conforme apuração feita pelo Portal de Notícias G1, a Justiça e a Promotoria também pediram para a menina manter a gestação por mais “uma ou duas semanas”, para aumentar a sobrevida do feto.
Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, perguntou a juíza.
Na decisão, a juíza Joana Ribeiro Zimmer afirmou que a jovem foi encaminhada ao abrigo por conta de um pedido da Vara da Infância com o objetivo de proteger a criança do agressor que a estuprou mas que, agora, o objetivo é evitar o aborto.
A suspeita é a de que a violência sexual contra menina ocorreu na casa dela.
Joana Ribeiro Zimmer afirmou que a mãe da menina disse em juízo que queria o bem da filha mas ponderou que, se a jovem não tivesse sido acolhida em um abrigo, teria feito o procedimento de aborto obrigada pela mãe.
“Diferente de proteger a filha, iria submetê-la a um homicídio”, diz Joana na decisão.Com isso, a juíza ainda afirmou que o aborto só seria possível com menos de 22 semanas de gestação ou 500 gramas do feto.
“Logo, não se impediu o aborto da menina porque, passado o prazo legal e também o tamanho adequado do bebê, o que foi impedido por esse juízo foi o cumprimento de uma ordem que já não era mais de aborto e só não foi cumprida porque a menina estava institucionalizada [internada em um abrigo] pois, se estivesse com a mãe, teria sido realizado o procedimento sem a salvaguarda da vida do bebê”, considerou.
A magistrada ainda escreveu na decisão que a menina passou por três avaliações médicas recentes e que, em nenhuma delas, falou-se em risco para a saúde da menor. O risco para a saúde da gestante é outro ponto que, quando autorizada pela Justiça, permite a realização do aborto.
Procurado, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina afirmou que o processo está em segredo de Justiça, pois envolve uma criança, e que instaurou um pedido de providências na esfera administrativa para apuração dos fatos.
O órgão informou, ainda, que não vai se manifestar sobre processos em curso.Na segunda, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Santa Catarina informou que vai trabalhar para a garantir proteção da criança. A entidade afirmou, ainda, que vê a situação com preocupação e acompanhará o processo para que a vítima receba apoio integral. “Incluindo o retorno ao convívio familiar e toda a assistência de saúde necessária”, ressaltou.
Pedido para manter a gestação
Em audiência no dia 9 de maio, Justiça e Promotoria de Santa Catarina propuseram manter a gestação por mais “uma ou duas semanas”, para aumentar a sobrevida do feto.
“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, perguntou a juíza para a menina durante audiência gravada em vídeo. Segundo a advogada da menina, Daniela Felix, já existe uma decisão da Justiça que autoriza a interrupção da gravidez.
No entanto, o fato de a criança estar internada em um abrigo impede que a decisão seja executada. A defensora aguarda a decisão de um recurso contra decisões tomadas pela juíza para que a menina volte para a casa.
“Desconhecemos e não entendemos a fundamentação dela [juíza]. Ela segue negando o desacolhimento da criança e o retorno dela ao lar porque isso seria permitir que a família faça o processo de interrupção”, afirmou a advogada.
Ex- coordenadora do setor de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Santo Antônio, em Blumenau, no Vale do Itajaí, a médica Daniela Lemos Mezzomo explica que, pelo Código Penal, em casos de estupro, risco de vida materna ou mal formação fetal incompatível com a vida, não há limite de idade gestacional.
“Vinte e duas semanas e dois dias não faria nenhuma diferença quanto a viabilidade, também, e nem deveria ter sido enviado para um juiz. A lei já autoriza.
O hospital credenciado deve obrigatoriamente disponibilizar um médico para realizar o procedimento. Interpretam a lei como querem”, disse.
O atendimento foi negado pelo Hospital Universitário, da Universidade Federal de Santa Catarina, de Florianópolis, que informou que só realizaria o procedimento com uma autorização da Justiça. Contudo, hospitais credenciados não precisam de autorização da Justiça em casos previstos por lei, como o estupro, por exemplo.
A menina sofreu a violência com 10 anos de idade. O Conselho Tutelar da cidade em que ela morava quando foi violentada acionou o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).
O órgão disse que ingressou com o pedido para que a criança fosse levada a um abrigo provisoriamente. Ainda, informou que “se manifestou pela autorização da realização da interrupção da gravidez de forma antecipada”. No entanto, a “realização depende de uma decisão balizada por critérios única e exclusivamente médicos, de modo a preservar a vida da criança e do feto”.
A reportagem também procurou o Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, onde a menina inicialmente foi atendida. Em nota, a unidade disse que não divulga informações sobre procedimentos relacionados ao prontuário de pacientes e nem sobre casos que correm em segredo de Justiça.
O hospital é referência em Florianópolis para a interrupção legal da gestação desde 2005 e informou que segue as portarias e normas técnicas definidas pelo Ministério da Saúde em relação ao procedimento.
“Quando ocorre de ultrapassar o limite da idade gestacional estabelecido pelo protocolo para conduzir o procedimento, orientamos a família a recorrer judicialmente para assegurar esse direito.
Realizamos inúmeros encaminhamentos ao poder judiciário que, normalmente, defere o pedido com agilidade, compreendendo a complexidade e urgência da situação. No entanto, há situações, pontuais, cuja conduta do poder judiciário não corresponde à expectativa da equipe assistencial do HU em atender as demandas de saúde na sua integralidade”.
“É importante destacar que o procedimento de aborto legal no HU depende desta autorização da justiça quando ultrapassa as 20 semanas e 00 dias.
O MP não baseou seu pedido no parecer da equipe especializada do HU-UFSC. Em todas as circunstâncias o HU buscou garantir a assistência em saúde e os direitos humanos à criança, ofertando assistência à saúde, e avaliação da equipe multidisciplinar em relação à melhor conduta para a situação.
Esta instituição, que é uma das únicas do Estado de Santa Catarina a oferecer um serviço de aborto legal, sempre trabalhou com intuito de assegurar o direito das mulheres”.