Projeto autoriza cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas esportivas, que foram proibidos em 1946
Segmentos religiosos são contra a liberação e apostam todas as fichas no veto de Bolsonaro | Foto: Abr
Com a aprovação do projeto de lei, n. 442/91, que legaliza a exploração de cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas esportivas, a Câmara dos Deputados revogou uma legislação de 1946, que proibia a atividade. Além disso, alterou dispositivos da Lei de Contravenções Penais. No Brasil, embora proibida, a atividade é explorada clandestinamente – e em muitos casos, com passividade das autoridades. Quem não conhece o famoso jogo do bicho? Cujos números chegam a ser anunciados até pela rádio.
No país, o caso de contravenção mais conhecido que foi parar na Justiça foi do goiano Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Ele foi acusado de integrar uma estrutura de exploração do jogo do bicho e de máquinas caça-níquéis em municípios do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiás. Chamada de Operação Monte Carlo, as investigações da polícia indicaram a ligação de políticos e empresários no esquema. Com isso, o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que ficou conhecida como CPI do Cachoeira. No fim, o colegiado fez um relatório de duas páginas, sem sugerir o indiciamento de ninguém. Por outro lado, no Senado, entre os políticos investigados, o principal deles, o então senador Demóstenes Torres acabou cassado por quebra de decoro parlamentar, em 2012.
Apesar disso, a exploração dos jogos continuaram e até avançaram para outras modalidades. Gabriel Luiz do Nascimento, por exemplo, é jogador profissional de poker, e acredita que a legalização trará benefícios. “Atualmente, tem muita gente trabalhando na informalidade, é do conhecimento de vários, que tem casas clandestinas e que pessoas estão trabalhando lá, fora da legislação”, comentou. O setor de jogos estima que com a legalização seja gerado entre 250 mil e 300 mil empregos no Brasil, que pode arrecadar até R$ 25 bilhões em impostos.
Para Gabriel, a tributação irá facilitar para os apostadores declararem e incorporarem os ganhos dos jogos aos rendimentos, o que atualmente é impossível fazer. “Às vezes você obteve aquele dinheiro de uma casa que não está legalizada e aí fica complicado para você comprovar a origem daquele dinheiro”, explica o jogador. Assim, a liberação dos jogos será benéfica também para o governo. “É um comércio que gera muito dinheiro, que vai gerar muitos impostos, que vão poder ser usado em benefício da sociedade”, complementa Gabriel.
Outra previsão é que haja maior confiança dos apostadores na atividade. “As casas que são irregulares não são fiscalizadas, então às vezes elas diminuem a taxa de lucro desses jogos de azar e das maquininhas. O lucro é controlável”, lamenta o jogador, acrescentando que isso é mais difícil de ocorrer em países que a atividade é regulamentada, pois há fiscalização.
Quem defende o projeto entende que está se buscando corrigir uma falha na legislação, não criando uma atividade, mas apenas disciplinando o jogo, que até o momento, existe na clandestinidade no Brasil. “São muitas pessoas envolvidas nessa atividade e a legalização traz para o mundo formal pessoas que trabalham e envelhecem sem o reconhecimento do Estado. Sem direitos trabalhistas e previdenciários. Enquanto de modo hipócrita negamos essa realidade outros países faturam com brasileiros que se interessam pelo jogo”, relata o assessor jurídico parlamentar Adahilton Dourado Júnior. O profissional é advogado da União requisitado para auxiliar o deputado Guilherme Mussi (PP-SP), que relatou o texto na Câmara dos Deputados.
É ele que explica como será arrecadação por meio da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre os jogos de azar. “A carga de 17% parece adequada na medida em que representa o que se cobra de atividades do entretenimento ao mesmo tempo em que, por representar uma carga equilibrada, não inibirá investimentos no setor”, afirma. Segundo o servidor público, que tem doutorado em Direito pela Universidade De Brasil e é especialista em Direito Público, o formato final do projeto vai permitir que a atividade esteja bem regulada com medidas protetivas tanto aos jogadores quanto aos investidores.
É possível saber se a maior parte da população brasileira é contra ou a favor da proposta de liberar os jogos de azar? De acordo com o advogado e ex-vereador por Goiânia Oséias Varão, presidente da Frente Conservadora de Goiás (FCG), e evangélico, os brasileiros não aprovam a legalização. “Acho que a maioria do povo é contra a legalização dos jogos no Brasil”, diz, afirmando que, com isso, o Congresso Nacional está descolado da opinião da população.
As justificativas dele para os riscos de legalizar os jogos de azar no país tem relação com o vício descontrolado, o que seria semelhante à dependência de drogas. “Quando se legaliza, se dá legitimidade, e é ampliada a estrutura disponível para os jogos de azar. Então o maior problema que a gente tem é a desestruturação da família, pessoas viciadas em jogos, e elas comprometem suas próprias vidas, comprometem suas famílias. Então, do ponto de vista social, acaba sendo prejudicial (jogos de azar)”, finaliza. Oséias faz coro ao segmento religioso que se coloca contra a legalização de jogos. Para se ter ideia, representantes de diferentes igrejas e segmentos, tanto de católicos quanto evangélicos, pressionaram o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), contra a aprovação do projeto. Agora, as igrejas estão apostando todas as fichas no veto do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele já chegou a sinalizar que deve barrar o texto.