Municípios alegam que o aumento de 33,24% pode gerar rombo de R$ 30,5 bilhões nos cofres públicos
Presidente anunciou o aumento nesta quinta-feira, em uma rede social Alan Santos / Presidência da República/Divulgação
O reajuste de 33,24% para os professores da Educação Básica anunciado pelo presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira (27) em uma rede social preocupa os prefeitos — responsáveis por pagar os salários. Com a medida, o piso nacional da categoria passará de R$ 2.886 para R$ 3.845.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) decidiu, em reunião, orientar os prefeitos de todo o Brasil a ignorarem o novo piso anunciado pelo presidente e confirmado pelo Ministério da Educação (MEC). Isso porque o entendimento da entidade é de que os municípios não têm como bancar esse aumento sem comprometer outros investimentos em educação.
— O Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) vai liberar R$ 220 bilhões neste ano. Com esse aumento, gastaremos 98% dos recursos com o pagamento de salários, e a educação é mais do que isso. De onde sairão os recursos para investir em laboratórios, merenda e outros gastos? — afirmou o presidente da CNM Paulo Ziulkoski à colunista Rosane de Oliveira.
A entidade recomenda que os chefes dos municípios corrijam o salário dos professores e dos demais servidores da educação em 10,16%, equivalente à inflação de 2021, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O entendimento da assessoria jurídica da CNM é de que com a nova lei do Fundeb, o piso ficou sem parâmetro para reajuste e, portanto, seria necessária a edição de uma medida provisória ou a aprovação de um novo projeto de lei.
— Em nome de interesses eleitorais, nessa disputa insana com Lula, o presidente Bolsonaro está colocando em risco a educação brasileira — disse Ziulkoski.
A CNM ainda avalia a possibilidade de ingressar no Supremo Tribunal Federal com uma ação contestando o reajuste de 33,24%. Por ora, os professores que não tiverem o reajuste nos municípios é que terão de recorrer à Justiça para receber o piso anunciado pelo MEC.
— Respeitamos a autonomia dos municípios. Quem puder pagar, que pague. Se quiser, que dê até mais, mas os prefeitos que não tiverem como arcar com esse piso não podem ser obrigados, porque acabarão desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal para bancar outros gastos.
O piso dos professores é estipulado de acordo com o custo por aluno, com base em uma lei de 2008. No início deste ano, houve uma discussão sobre se a nova lei do Fundeb, aprovada em 2020, anulou o critério aprovado em 2008 ou se havia a necessidade de uma regulamentação. No último dia 14, o Ministério da Educação divulgou nota afirmando que o índice de reajuste reivindicado pelos professores não era mais condizente com o novo Fundeb.
A manifestação do MEC causou reação do magistério, que pressionou o governo federal a garantir o reajuste de 33%. A Comissão de Educação da Câmara divulgou uma nota técnica argumentando que a lei de 2008 precisa ser aplicada.
O presidente da CNM avalia que Bolsonaro contrariou o entendimento jurídico da Advocacia-Geral da União (AGU) por interesse eleitoral.
— Vale a manifestação do MEC, com o parecer que veio da AGU, ou o Twitter do presidente? Como é que vamos trabalhar com a verba? — questionou Ziulkoski.
No Senado, a decisão de Bolsonaro foi vista como uma pressão contra governadores e prefeitos, que pagam os professores da educação básica. Com isso, haverá uma resistência ainda maior à proposta de emenda à Constituição (PEC) dos combustíveis, negociada pelo governo para desonerar a cobrança de impostos sobre a gasolina e o diesel e pressionar os governadores a zerar a cobrança do ICMS, principal fonte de arrecadação dos Estados, que também é dividida com as prefeituras.
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) também alertou para riscos fiscais e jurídicos em torno da medida. De acordo com a FNP, as finanças municipais não suportam os reajustes no atual cenário de incertezas em que vive o Brasil.
"É preciso governar combinando sensibilidade social e responsabilidade fiscal. As finanças locais, infelizmente, não suportam reajustes excepcionais no cenário de incertezas que o Brasil enfrenta", diz a nota da FNP. "Diferentemente da União, os entes subnacionais não podem se endividar para pagar salários. O reajuste de 33,24% no piso desequilibrará as contas públicas, podendo levar ao colapso nos serviços essenciais, à inadimplência e a atrasos de salários."
A FNP ressalta ainda que o aumento da arrecadação visto em 2021 tem "baixíssima possibilidade" de se repetir no médio prazo e, por isso, não deveria balizar políticas de governo. Além disso, a entidade alerta para problemas jurídicos da medida, já que a Lei do Magistério está atrelada a dispositivos do antigo Fundeb. O fundo, no entanto, foi atualizado e tornado permanente no ano passado.