As (in)confidências e o desabafo do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro sobre as questões do clã relacionadas a dinheiro
O tenente-coronel Mauro Cesar Cid optou por não responder às perguntas dos deputados e senadores da CPI do 8 de Janeiro na terça-feira (11/7), no Congresso Nacional, mas nos últimos tempos, em conversas reservadas às quais a coluna teve acesso por meio de interlocutores em comum, foi bastante eloquente ao falar dos bastidores dos palácios do Planalto e da Alvorada sob Jair Bolsonaro.
Nessas conversas, devidamente registradas, Cid contou que ficava no meio do fogo cruzado entre Jair e Michelle Bolsonaro quando o assunto era, principalmente, o pagamento de contas da família, em dinheiro vivo, na boca do caixa, conforme mostramos em reportagem publicada no início do ano.
O oficial do Exército diz, por exemplo, que Michelle era uma pessoa de difícil trato no dia a dia — e que não ia com a cara dele. “Dona Michelle era muito difícil e não gostava de mim”, afirma. A principal razão da diferença entre os dois tinha como pano de fundo exatamente as questões relacionadas a dinheiro, segundo o militar.
Cid conta que tinha ordens explícitas de Bolsonaro para pagar contas da própria Michelle, mas que o então presidente detestava que ele pagasse também faturas de familiares da primeira-dama. Mesmo assim, ela mandava essas contas com ordens para pagar. E, diz ele, quando isso acontecia não havia muito o que fazer, sob pena de arrumar mais problemas com Michelle.
“Não ia me meter em briga de casal. Se ela pedia, eu depositava”, afirmou o tenente-coronel em uma das conversas, meses atrás, em tom de desabafo.
Ele afirma que, depois de feitos os pagamentos, tinha que apresentar as faturas para Bolsonaro. E, quando isso acontecia, lhe restava matar a responsabilidade no peito, sob o argumento de que não podia deixar de atender os pedidos de Michelle, que chegavam por assessores dela.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro diz que, muitas vezes, preferia nem saber quais eram as despesas que precisavam ser pagas. Repetia que, se a ordem era da “dona Michelle”, liberava os valores sem titubear.
E assim foram feitos pagamentos do plano de saúde do irmão, mensalidades da faculdade da irmã, depósitos em contas de outros parentes de Michelle que vivem na periferia de Brasília e, ainda, inúmeras entregas de recursos em espécie nas mãos de integrantes do staff que servia a Michelle. Saiu dinheiro até para ajudar no funeral da avó da primeira-dama.
“Ela (Michelle) falava pouco comigo. Quem falava comigo eram os assessores. Ela mandava dizer: ‘preciso disso’. E os assessores falavam comigo”, afirmou.
Cid jura que usava sempre dinheiro sacado de contas do próprio Bolsonaro para fazer os pagamentos. E que não misturava, no caixa paralelo que administrava, valores da conta pessoal do então presidente com recursos sacados a partir dos cartões corporativos da Presidência da República — uma suspeita investigada já há algum tempo pela Polícia Federal.
O oficial do Exército explica que preferia fazer os saques e quitar as faturas diretamente na boca do caixa — muitas vezes, por intermédio dos outros oficiais que o auxiliavam na ajudância de ordens da Presidência — para “não expor” o clã.
Uma das maiores confusões que Cid vivenciou ao lidar com os pagamentos das contas de Michelle Bolsonaro ocorreu, segundo os relatos do próprio, quando ele descobriu que tinha que pagar, entre as várias contas, boletos do cartão de crédito que a primeira-dama usava, mas era de uma amiga dela, funcionária comissionada do Senado.
A existência dos pagamentos das faturas do cartão de Rosimary Cardoso Cordeiro, a amiga de Michelle, foi revelada também na reportagem que a coluna publicou em janeiro.
Nessa conversa, especificamente, ocorrida depois que o assunto já havia vindo a público, Cid afirma que se recusou a pagar as faturas do cartão porque via, ali, uma chance grande de problemas futuros: como Rosimary era funcionária do Senado, e lotada no gabinete de um senador aliado de Bolsonaro (no caso, o maranhense Roberto Rocha), ele temia que a história pudesse se transformar em um problema para o próprio Bolsonaro.
Ao explicar seu temor, Cid mencionou o risco de essa relação financeira entre Michelle e Rosimary ser interpretada como algo promíscuo — houve, inclusive, menção às rachadinhas que já embaraçavam o clã àquela altura, com as investigações sobre Flávio e Carlos Bolsonaro, os filhos 01 e 02 de Jair Bolsonaro.
O ajudante de ordens de Bolsonaro cogitou conversar com Michelle para explicar o possível problema. Mas não viu espaço para fazer isso diretamente. Mandou recado. E o estresse, diz, foi grande. A ponto de ele bater o pé e afirmar que não pagaria os boletos do cartão de Rosimary diretamente, o que deixaria rastros.
Cid, então, recorreu a uma solução alternativa, mas não menos problemática. “Não vou pagar boleto. Se me pedir dinheiro, eu passo o dinheiro, mas não vou pagar o boleto”, respondeu, segundo ele próprio.
E assim foi feito: para não deixar de atender Michelle, o tenente-coronel respondeu que sacaria o dinheiro e entregaria os valores para que assessores fizessem os pagamentos na boca do caixa.
Não sabia ele que, tempos depois, mesmo esses pagamentos seriam cuidadosamente esquadrinhados na investigação que o coloca como personagem central do caixa paralelo que servia à então família presidencial.