Conheça a história de brasilienses que encontraram formas criativas para encarar os desafios impostos pelo distanciamento social, no início da pandemia, e descobriram novas habilidades
Perder a principal fonte de renda em plena pandemia da covid-19 foi um choque para Francisca das Chagas Feitosa, 36 anos. Ela e o marido trabalhavam em uma empresa de fotografia que atendia escolas. Com as instituições de ensino fechadas para conter o avanço do novo coronavírus, em pouco tempo o casal perdeu a atividade que garantia o sustento da casa e dos três filhos. A situação desestabilizou Francisca, que quase entrou em um quadro depressivo por não conseguir manter a família. Foi em meio às dificuldades que ela decidiu fazer de um hobbie a alternativa financeira — confeccionar e vender bonecas de crochê —, e a decisão ajudou em casa e lhe devolveu a esperança .
“O artesanato, para mim, foi um divisor de águas. Ele me tirou do fundo do poço. Eu entrei em desespero quando perdi meu emprego. As contas continuavam chegando e eu não podia pagar”, lembra a artesã, que, atualmente, não se vê trabalhando em outra área.
Ela conta que o início não foi fácil, mas estava determinada. Ainda no primeiro ano da crise sanitária, nos meses de junho e julho, ela começou a divulgar pelas redes sociais o trabalho que fazia com o amigurumi — técnica japonesa para criar pequenos bonecos feitos de crochê ou tricô.
Nos meses de junho e julho, ela oferecia desde bonecas simples até versões personalizadas, com característica pedidas sob encomenda, além de santinhos em crochê. Francisca conciliava a produção com alguns serviços de faxina, que ela aceitava para complementar a renda familiar. Como a necessidade não lhe permitiu cumprir o isolamento, ela e outros parentes contrairam a covid-19 e desenvolveram o quadro grave. Francisca foi hospitalizada e precisou vencer a infecção. “E perdi meu irmão há dois meses por essa doença. São tempos difíceis”, afirma. Na avaliação dela, além do trabalho com o amigurumi auxiliar nas despesas da família, teve uma grande contribuição como terapia ao longo do último um ano e meio.
Uma feliz combinação que, antes da pandemia, não passava pela cabeça de Francisca. Há cinco anos ela descobriu o crochê como hobbie, quando enfrentava a depressão e encontrou nas agulhas e linhas uma forma de expressão e sentido, pois passou a integrar um projeto que reunia voluntários para confeccionar polvos de amigurumi destinados à bebês prematuros da rede pública de saúde. “Nunca pensei que iria encontrar no crochê uma fonte de renda. Aprendi a prática com a minha mãe, aos 10 anos. Quando casei, fiz alguns tapetes para a minha casa, mas, com o nascimento das minhas filhas, precisei parar para trabalhar em outras áreas. E agora me reencontrei no artesanato”, afirma, ressaltando que também ensinou o ofício para a filha mais velha, de 17 anos. Atualmente ela vende os seus trabalhos de forma on-line e é uma das artesãs da Secretaria de Turismo, com as peças expostas numa loja no Pátio Brasil.
Reconforto para o luto
Quem também descobriu o artesanato como um caminho para o equilíbrio no último ano e meio foi Cláudia Maria de Lima, 43, moradora do Recanto das Emas. “O meu marido tinha por hobbie fazer caixinhas de madeira para curar carne — método de conservação da proteína com sal. E minha vizinha, que gosta de mexer com plantas, deu a ideia de fazer um suporte de madeira para vasos. E gostei e resolvi tentar fazer”, diz. E, com a curiosidade, perseverança e boa vontade, Cláudia encontrou um ofício. Com o primeiro suporte pronto e entregue para a vizinha, outras pessoas da região viram o trabalho dela e começaram a fazer encomendas.
“As peças são feitas todas com madeira de demolição, então acaba que a gente recicla também. Uma caixinha de supermercado se transforma em um suporte de vaso maravilhoso”, explica Cláudia, que também iniciou um trabalho de jardinagem em casa, algo que nunca se imaginou fazendo. E foi o trabalho com artesanatos que serviu como amparo em um momento bastante delicado na vida de Cláudia, a morte do seu irmão em um acidente de trabalho no início deste ano. “Quando meu pai faleceu, há 10 anos, eu desenvolvi síndrome do pânico, depressão. Não conseguia entrar no ônibus, porque pensava que iria ser assaltada. E isso começou a atrapalhar o meu trabalho. Quando meu irmão morreu, meu marido ficou preocupado comigo, em como eu iria reagir. E trabalhar com as peças e as plantas, de alguma forma, me ajudou a passar por esse período da melhor forma possível”, expõe. “Minha família é muita unida, às vezes, tenho um momento de tristeza, mas, quando eu começo a mexer com as peças a mente desliga um pouco”, completa a artesã, que até decidiu abrir a própria empresa.
“Me empolguei e quis fazer disso uma renda. E para mim está sendo como uma terapia e tem me ajudado a passar por este período de pandemia. Eu estava parada em casa, estacionada. Você fica mais sedentária, sem poder sair. Com a minha produção e, agora, com plantas, estou trabalhando o corpo e a mente”, constata Cláudia, que se surpreendeu com a aceitação obtida e a clientela conquistada.
Atualmente, ela confecciona de três a quatro peças por dia, todas com madeira de demolição e algumas com detalhes em coco do cerrado, bem comum de se encontrar nas ruas do Distrito Federal. Boa parte das peças ela faz por encomenda, mas tem algumas a pronta entrega que expõe aos fim de semana na Feira da Torre de TV.
Bolos com afeto
A advogada Tatiana Dorneles, 33, encontrava no preparo de alimentos um exercício de afeto. Em 2020, com a pandemia, ela decidiu compartilhar guloseimas e palavras de conforto. O “abraço da Tati” nasceu em março de 2020, quando ela resolveu fazer uma fornada de bolos de milho e entregar para familiares e amigos como uma forma de abraço e carinho, durante o período de isolamento social. “Em cada bolo eu escrevi uma cartinha. Quando eu estava voltando para casa, a sensação que ficou era de que eu estava sendo abraçada. E me veio a ideia: e se eu pudesse fazer isso com os meus vizinhos?’”, relata.
Tatiana colocou a inspiração em prática e manteve a entrega de bolos e outras iguarias durante um ano e meio. Em 15 de agosto, ela encerrou as atividades. “Precisei parar, pois não conseguia conciliar o ‘abraço da Tati’ com o meu trabalho na advocacia. Demorei um pouco para tomar essa decisão, mas sinto que foi uma boa forma de encerrar o ciclo que eu criei. Acredito que mais projetos como esses vão surgir mais à frente”, aspira. Para ela, a experiência foi única. “O ‘abraço’ foi minha salvação na pandemia, me deixou viva. Sinto que fui um instrumento para mandar mensagens positivas para outras pessoas em um momento tão delicado. Ouvi histórias, tive esse contato com as pessoas e os cartões foram tão importantes quanto os bolos. Escrevia os recados à mão. Eu realmente me envolvia. Foi o que me manteve, eu não tinha tempo para não sentir coisa boa”, afirma.
O cardápio que começou com bolo de milho, foi ampliado para outros sabores e quitutes, graças às receitas que ela colecionava em um caderninho em casa. Entre as iguarias, pão de abobrinha com parmesão, bolo de banana com nozes, pão de fermentação lenta, bolo de mandioca com goiabada, bolo de cacau com frutas vermelhas. “Eu pensava em comidas que pudessem aconchegar as pessoas de alguma forma”, explica Tatiana.