Chefe do Executivo tenta agradar ao eleitorado que votou nele em massa, mas já o chama de traidor, principalmente os policiais federais
A pedido do presidente Jair Bolsonaro, a área técnica do governo estuda dar um reajuste linear de 5% aos servidores federais. O impacto no Orçamento, de acordo com previsões divulgadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, seria de R$ 15 bilhões em 2022. Para especialistas de dentro e de fora do governo, o presidente dá sinais claros de que vai aumentar a pressão sobre as contas públicas para se reeleger em 2022.
O anúncio de que um novo Programa Bolsa Família passaria para R$ 300 mensais pegou de surpresa a equipe econômica. Com a mudança, Bolsonaro busca atender a população de baixa renda, que se afasta cada vez mais da sua base. Com o plano de conceder um reajuste salarial aos servidores, o chefe do Executivo tenta agradar ao eleitorado que votou nele em massa, mas já o chama de traidor, principalmente os policiais federais.
Por meio de nota, o Ministério da Economia, responsável pelo cofre da União e o maior defensor do ajuste das contas públicas, informou que “não vai se manifestar” sobre o reajuste salarial para o funcionalismo público. Mas a possibilidade da correção nas remunerações, em 2022, “ultrapassa o bom senso”, de acordo com um técnico do órgão.
“É uma proposta inqualificável. Principalmente porque ainda estamos na vigência da lei complementar (LC nº 173/2020) que proíbe, durante a pandemia, quaisquer benefícios ou aumentos de remunerações. A LC vai até dezembro de 2021. Mas não significa, ao fim do calendário, que a situação melhore como mágica. Isso (o pedido de reajuste) chegou aqui (no ministério), mas não teve apoio. Esses incongruentes 5% vazaram de propósito para testar o mercado”, reclamou o técnico, que não quis se identificar.
Para o economista Cesar Bergo, sócio-investidor da Corretora OpenInvest, de fato, o ano eleitoral começou mais cedo e não há como retroceder. “Logicamente, essa é uma pressão que vem do Legislativo, porque já se viu que algumas carreiras foram beneficiadas ao longo de 2021. Tenho certeza de que a área técnica não concorda. Mas não se sabe até que ponto será obrigada a ceder às pressões políticas”, reforçou. Um consultor da Casa Civil, que também preferiu o anonimato, explicou que não é de hoje que assessores de Bolsonaro buscam espaços orçamentários para angariar votos, principalmente depois da soltura do ex-presidente Lula.
Na análise desse técnico, a preocupação não é com o ajuste fiscal, mas com a necessidade de encontrar qualquer ponta solta que represente perda de popularidade. “São feitos pedidos dos mais variados aos órgãos técnicos. Formas de encontrar dinheiro em todo canto, seja como for. Quem contesta, fica marcado. E não se assuste se, em meio às discussões sobre reforma administrativa, reforma tributária e privatizações, surja mais um tributo para a sociedade bancar a corrida às urnas”, disse o técnico.
Com o objetivo de levantar recursos para aumentar o valor do Bolsa Família para R$ 300, o presidente Jair Bolsonaro pretende acabar com o abono salarial dos trabalhadores. Cerca 25 milhões de brasileiros que ganham até dois salários mínimos recebem o abono anual, cujo valor vai de R$ 92 a R$ 1.100. A notícia não agradou nem ao mercado financeiro nem às entidades de trabalhadores.
No ano passado, diante de uma proposta do Ministério da Economia de usar o abono para bancar o auxílio emergencial, Bolsonaro afirmou que não tiraria dinheiro "dos pobres para dar aos paupérrimos”. O abono é financiado com recursos do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), que também alimentam o seguro-desemprego.
Para o economista-chefe da Agência Austin Rating, Alex Agostini, o reajuste do Bolsa Família é importante, mas tem que ser feito com cautela para não furar o teto dos gastos. “Não concordo com a extinção do abono do PIS/Pasep nesse momento de pandemia, com o mercado de trabalho em recuperação lenta e o Brasil correndo o risco de uma terceira onda da covid-19. O governo fez benevolências com o pessoal do meio ambiente, perdoando multas, e benefícios às Forças Armadas. Acho que esses pontos, sim, deveriam ser repensados. Basta coragem”, disse.
Por meio de nota, a Força Sindical informou que a “proposta do governo merece repúdio de todos”, e lamentou que, mais uma vez, sejam ameaçados direitos e conquistas sociais dos menos favorecidos. A entidade sugere a criação de um imposto sobre grandes fortunas para financiar o combate à fome e às desigualdades.