O remédio mais caro do mundo, que custa R$ 12 milhões, deve ser administrado até os 2 anos de idade
Érica de Sousa, 24, conheceu a AME devido ao diagnóstico da filha. "O corpinho não sustentava", conta - (Foto: Reprodução Minervino Júnior/CB/D.A Press)
A cada dia que passa, aumenta a angústia da família de Marjorie de Sousa, 1 ano e quatro meses, que luta contra uma doença rara degenerativa. Ela tem atrofia muscular espinhal (AME) tipo 1 e precisa tomar a dose única do remédio mais caro do mundo, o Zolgensma, que custa R$12 milhões, antes de completar 2 anos de idade. Até o momento, a campanha Cure a Marjorie arrecadou cerca de R$ 58 mil.
Natural de Formosa (GO), Marjorie foi diagnosticada com a doença aos quatro meses de vida. A dona de casa Érica Francisca de Sousa, 24, mãe da bebê, conta que, aos dois meses, a filha não apresentava o desenvolvimento comum para a idade. Isso levou a família a procurar ajuda médica. “Eu nunca nem tinha ouvido falar da AME, descobri com ela. A Marjorie já tinha características, mas eu não tinha conhecimento, então, para mim, era tudo normal. Eu procurei uma pediatra particular por conta da mãozinha dela. Ela firmava, mas depois ela caia. E o corpinho não sustentava sempre”, conta.
Marjorie deu início ao tratamento no Hospital da Criança de Brasília (HCB) e passou nove meses internada, até conseguir o tratamento home care fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Desempregada, Érica precisou se mudar de Formosa para Planaltina (DF), com o bebê e o primogênito, Davi, 6. Desde então, recebe o apoio de amigos, familiares e pessoas mobilizadas pela causa para juntar o dinheiro necessário para a compra do remédio, além de suporte financeiro. Hoje, moram na casa da gari Maura de Jesus Moreira, 42, mãe de Érica.
“Comecei a campanha da Marjorie quando ela tinha oito meses, mas não tinha visibilidade, só veio ter quando ela completou 11. Costumo dizer que toda ajuda é bem-vinda, porque, aqui, pra mim, não é fácil. Eu tenho a Marjorie e o Davi, não recebo pensão dos meus filhos, coloquei o pai na Justiça, o benefício da Marjorie também ainda não saiu, e quem me mantém com tudo é minha mãe”, desabafa Érica.
Atualmente, Marjorie recebe doses do medicamento Spiranza, fornecido gratuitamente pelo SUS, que, apesar de não trazer a desejada cura, retarda o avanço da doença degenerativa, que interfere na produção de proteínas essenciais para a sobrevivência dos neurônios motores. O remédio é administrado por injeção intratecal — diretamente na medula espinhal, na parte inferior das costas.
A voz cansada retrata a dor de uma mãe que luta pela saúde da filha. “Eu tento conseguir forças para continuar em frente. A minha filha depende de mim. Se não for eu, ninguém faz. Eu me agarro na esperança de que ela vai ficar bem e de que ela também está lutando pela vida dela”, pontua. De acordo com Érica, o uso do Spiranza tem desacelerado o processo degenerativo. “Ela está bem, teve alguns ganhos de movimentação e continua estável. Não houve intercorrências desde o uso do medicamento”, garante.
Érica explica que o dinheiro da campanha é voltado, exclusivamente, para o tratamento da filha. “A esperança é de que, caso a União custeie todo o valor, o que arrecadamos fique para o tratamento. Ela vai precisar de acompanhamento de cinco a seis anos, então ela tem que estar bem assistida”, ressalta. “Eu sou muito grata por quem adotou essa causa. Tem pessoas que não compreendem, que não entendem a nossa necessidade e acham que vamos usar a Marjorie para conseguir dinheiro. A nossa esperança é uma qualidade de vida melhor para ela”, completa.
A família buscou o Judiciário para conseguir a medicação. Érica entrou com um pedido na Justiça Federal de Formosa (GO) para o fornecimento do Zolgensma, mas foi negado. Uma perícia médica foi feita em Marjorie e não evidenciou a necessidade do uso do remédio que poderia curar a menina. Segundo a advogada responsável pelo caso, Graziella Costa, o médico constatou que, apesar das prescrições médicas, não há estudos suficientes que mostrem a necessidade de a criança receber a dose única. Em 2020, o Zolgsensma recebeu a aprovação e o registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De acordo com Graziella, a negativa do juiz baseia-se em respostas técnicas com fundamentos científicos geradas pelo Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus). Nesse caso, o colegiado médico coloca o valor monetário acima da vida, conforme explica a advogada. “A decisão do juiz, que foi a primeira negada, é bem complexa. Nós recorremos ao tribunal, mas ainda não obtivemos um resultado”. A família aguarda resposta desde junho, e a previsão é de que a decisão saia nesta semana.
A família chamou outro médico, especialista na doença, que confirmou a necessidade de Marjorie para o remédio. De acordo com o neuropediatra Ciro Matsui Júnior, que acompanhou a perícia como assistente técnico médico, a bebê está dentro dos critérios de indicação solicitados na bula do Zolgensma. “Ela tem os sintomas, confirmação genética, menos de 2 anos. O peso não é um critério, mas sabemos que houve um estudo, e ela também está dentro da faixa de peso”, garante.
Segundo o neuropediatra, a perícia foi solicitada para auxiliar o juiz em sua decisão. Ele explicou que não há comprovação médica de que o Zolgensma possui um efeito melhor do que o Spiranza, mas a dose única pode facilitar o dia a dia da família. “A vantagem é o fato de ser dose única. Para o caso da Marjorie, com certeza, seria uma vantagem, já que a família de Marjorie lida com dificuldades de transporte, por exemplo, além de ter uma tecnologia mais avançada”, pontua.
Em nota, a Advocacia-Geral da União informou que o juiz não apreciou o pedido de tutela de urgência. “Solicitou a participação da genitora do autor e da Academia Nacional de Cuidados Paliativos para se manifestarem nos autos (amicus curiae). Além disso, determinou a realização de perícia médica”, ressaltou. “Trata-se de medicamento de alto custo, não incorporado ao SUS, que fornece o medicamento Nusinersena para tratar a enfermidade, já de uso pelo autor. A utilização do medicamento não foi aprovada no EMA (European Medicines Agency)”, completou.
A luta para conseguir o medicamento na justiça foi vivenciada por outras famílias brasilienses. De acordo com dados da Secretaria de Saúde, em 2020, no Distrito Federal, foram registradas 38 internações por Atrofia Muscular Espinhal (AME), dos quais 22 são pacientes abaixo dos 14 anos. Até maio de 2021, foram registradas 22 internações, das quais 17 foram em pacientes abaixo dos 14 anos.
Recentemente, outras duas crianças conseguiram uma liminar na Justiça para a União comprar o Zolgensma. Gabriel Alves Montalvão, de 1 ano e três meses, foi uma delas. O bebê recebeu o medicamento há 14 dias e apresenta bons resultados. “Ele está muito esperto. A parte respiratória melhorou, ele está se movimentando. É nítida a evolução. A gente acredita que a tendência é só melhorar”, celebra Lionédia Alves Rodrigues Montalvão, 40, mãe de Gabriel.
Em 19 de novembro de 2020, Kyara Lis, de 1 ano e 11 meses, recebeu a “dose da vida”. Desde então, passou a desenvolver o sistema motor. “Ela tem feito movimentos que não fazia antes. Está engatinhando, levanta o braço com facilidade, agilidade, e está com a perninha mais firme”, com a mãe, Kayra Dantas De Carvalho Rocha, 40. Foram três meses de luta na Justiça até a família finalmente poder comemorar. “Nosso maior sentimento é de gratidão, pela história dela ter tocado tantos corações que fizeram com que ela conseguisse essa vitória. Por meio da campanha, ela conseguiu mais de R$ 6 milhões por meio de doações. O povo viu o quanto uma doença degenerativa é grave”, finaliza.
Com a mudança na Lei nº 4.190, de 6 de agosto de 2008, todas as crianças nascidas com atrofia muscular espinhal (AME) nos hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes da rede pública de saúde do DF têm o direito ao teste de triagem neonatal, na modalidade ampliada. A alteração foi publicada no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) na última quarta-feira.